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“Definhando”: o estado de vazio mental causado pela estagnação da pandemia

Foto: Pexels

Nem alegre, nem deprimido. Não é o fundo do poço, mas também não é o normal. Entre a depressão e o bem-estar pleno, encontram-se vários sentimentos. Um deles tem sido comumente descrito durante a pandemia: uma sensação de apatia e vazio. Para tentar nomear essa emoção, o psicólogo Adam Grant resgatou pesquisas do sociólogo Corey Keys em que esse estado é descrito como “languishing”, traduzido para o português como “definhando”.

De acordo com Keys, definhar não significa que a pessoa está mentalmente doente, mas, tampouco, mentalmente saudável. “É um estado emocional. As emoções são formas transitórias e instantâneas de reação diante dos fatos. No definhamento, o sentimento é de apatia, de redução da motivação e da iniciativa. A pessoa que está apática encontra-se com baixa reatividade, como se fosse um ‘tanto faz’”, explica a psiquiatra Kelly Robis.

De acordo com a psiquiatra Jaqueline Bifano, não existe um perfil para o definhamento. “Qualquer faixa etária, afinal, todos nós fomos e estamos sendo impactados pela pandemia de alguma forma. Desde crianças em idade escolar a idosos que perderam o direito de ir e vir durante meses”, exemplifica.

A estudante Michelli Limeira, 20, identificou esses sentimentos em si. “Não me sentia mal, mas com certeza não estava normal. O principal sintoma que me fez notar isso foi a falta de foco. Tarefas que antes eu conseguia fazer em pouco tempo, começaram a exigir um esforço muito maior de mim. Não que eu não conseguisse fazer, mas no final do dia, eu me sentia extremamente cansada, sem energia para mais nada”, diz.

Como esclarece a psicóloga Meire Cassini, o definhamento não é um termo novo, porém era usado individualmente, já a pandemia gerou um estado de apatia coletivo. “Diante deste vazio, percebe-se um comprometimento e cada pessoa pode apresentar determinadas características de desmotivação, falta de interesse e dificuldade de concentração, cansaço ou exaustão. Podendo, inclusive, impactar quadros de adoecimento, como de transtornos de ansiedade e depressivos”, afirma.

Kelly considera que, diante da realidade, definhar não é surpresa. “A apatia é esperada quando as pessoas estão com um nível de esperança reduzido. Portanto, é possível que isso seja uma reação normal diante de um problema que, hoje, não apresenta um número de solução grande”.

Tanto que o estado não é considerado uma doença, mas exige atenção. “O definhamento mental não preconiza um tratamento específico, não sendo caracterizado como um transtorno. Cada pessoa deve estar atenta a sua saúde mental e emocional, além de buscar estratégias e medidas de cuidados para que estes sentimentos tragam maior bem-estar e o quadro não evolua para outros sintomas”, explica Meire.

Como não “definhar”’?

De acordo com Grant e as especialistas ouvidas, o primeiro passo para sair do definhamento é saber que está definhando para conseguir dar nome aos sentimentos. “O caminho para resolver problemas é conhecer nossas próprias emoções. Nossos sentimentos não existem à toa, eles são o mecanismo que temos para, de forma instintiva, compreender o ambiente e se ele precisa ou não ser modificado. Por isso, precisamos conseguir nomear o que estamos sentindo em determinado momento para que a gente se pergunte: “Que desconforto é esse e por que o estou sentindo?”, exemplifica Kelly.

Segundo ela, há formas de lidar com a situação. “O que acontece é que nosso ânimo tende à inércia. Ou seja, quanto mais parados estamos, mais imóveis tendemos a ficar. Para sair disso, podemos buscar fazer uma atividade física, ter um contato maior com a natureza, aceitar a realidade atual e assumir uma perspectiva diferente em termos de esperança”, afirma.

Jaqueline reforça que não existe uma receita de bolo para não definhar, cada pessoa é uma e é preciso respeitar essas individualidades. “Se nós estabelecemos metas diárias e alcançáveis todos os dias, conseguimos realizá-las. Isso faz com que a gente se sinta melhor. E não existe isso de se cobrar por ter sido melhor ontem do que hoje, é simplesmente fazer o seu melhor naquele dia”, diz.

Ela explica que se deve tentar atingir o aposto de definhar, que é o estado de flow (fluxo em português), quando uma pessoa realiza uma atividade e se sente totalmente absorvida em uma sensação de energia, prazer e foco no que está fazendo. “Jogos eletrônicos, de tabuleiro, aprender a tocar instrumentos musicais, assistir séries, ler um livro, dançar, desenhar, dentre outras várias atividades que prendam a nossa atenção, mas não a ponto de gerar um estresse maior que o normal. Todas essas ações podem e devem ser realizadas no nosso dia a dia, pois tiram nosso foco dos problemas, da ansiedade e das angústias que estamos passando. Elas extraem nossa atenção do passado, do futuro e nos coloca totalmente imersos naquilo que estamos fazendo no presente”, recomenda.