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Agosto Dourado: Brasil é o país onde mulheres são mais criticadas por amamentar em público

Imagem do “Mamaço” manifesto feito em um shopping da capital – Foto: Arquivo pessoal

Imagine a cena: uma mãe caminha no shopping com a filha de 9 meses e, em determinado momento, se senta em um banco para amamentá-la. Para uns, algo comum. Para outros, motivo de preconceito. Foi exatamente o que a empreendedora Kika Moreira vivenciou em um shopping de Belo Horizonte.

“Ele veio me avisar que tinha um lugar próprio para amamentação: o ‘Espaço Família’, agradeci e disse que continuaria ali. Ele insistiu e chegou a pôr a mão no meu braço, me forçando a levantar. Quando fez isso, tirei o peito da boca da minha filha e esguichei leite no rosto dele. Ele ficou nervoso, mas eu disse que era exatamente essa a distância que ele tinha que manter de nós”, relata.

Kika não está sozinha. Dados de uma pesquisa feita em 2015 pela Lansinoh Laboratórios mostra que o Brasil é o país onde as mulheres são mais criticadas por amamentar em público. Cerca de 47,5% das brasileiras já sofreram esse preconceito. “Perguntei ao segurança se ele me abordaria caso estivesse comendo um sanduíche e ele disse que não. Expliquei que dava no mesmo, eu estava alimentando minha filha. A situação virou uma bagunça, pessoas me criticando, outras me defendendo. Quando minha filha ficou satisfeita, saí e deixei a confusão”.

Depois do ocorrido, Kika decidiu se unir a outras mães para um manifesto. “Ser mãe é isso: toda hora tem alguém para dar pitaco sobre como devo cuidar da minha filha e do meu corpo. Conheço a Gabrielle Faria, que era a coordenadora do ‘Mamaço’ aqui em BH e ela agendou um protesto no shopping. Foi lindo ver a administração do espaço sem saber como agir diante da nossa presença”, lembra.

Além de coordenar o “Mamaço”, a terapeuta Gabrielle foi idealizadora da lei de aleitamento na capital mineira. Ela decidiu iniciar essa luta após passar por um constrangimento dentro de um hospital infantil. “Meu filho tinha 2 anos na época e foi internado com dificuldade respiratória. Ele amamentava em livre demanda. Em uma noite, a enfermeira viu que eu estava dando peito a ele e disse que nessa idade o leite é fraco e que, provavelmente, por isso estava doente. Como eu já estava engajada na causa, quis levar informações científicas para ela ver que estava errada, mas ela não quis conversar”.

A luta não foi fácil. “Comecei uma pesquisa e vi a possibilidade de implementar uma lei que protegesse mãe e filho na capital. Fazendo parte diretamente da organização da Semana Mundial do Aleitamento Materno em BH e Contagem, passei a buscar o Legislativo para isso. Mas foi em vão, precisei de 2 anos e de muito diálogo para entrar em pauta e quase um para ser aprovada. Depois conseguimos a legislação a nível estadual”.

Para ela, todo esse preconceito é um reflexo da cultura machista. “Como a sociedade vai se sentir com mulheres com seio de fora? Obviamente, a falta de informação é grande e resulta em pensamentos distorcidos sobre a questão”.

Direitos

Mãe, lactante e advogada, Paula Azevedo explica que no âmbito trabalhista a mãe possui o direito de realizar dois descansos especiais durante a jornada de trabalho. “Eles são de meia hora cada para amamentar o filho até que este complete 6 meses. As lactantes possuem atendimento preferencial em filas e transportes públicos, ainda que não estejam com seus bebês. Além disso, em alguns municípios, as mães já têm garantido o direito à amamentação em locais públicos e privados. No âmbito nacional, ainda está tramitando o projeto de lei que visa a inclusão do direito de amamentar em público no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”.

Advogada e mãe, Paula Azevedo fala sobre os direitos das mulheres de amamentar

Ela acrescenta que a mãe que sofrer qualquer tipo de constrangimento pode denunciar por meio de canal próprio do estado ou município, juntando as provas da situação. “As sanções para os estabelecimentos que não respeitarem variam de acordo com cada local. Mas, geralmente, consistem em pagamento de multa. No entanto, isso não impede que a vítima acione o Judiciário para receber indenização por dano moral”.

Em Minas e em BH, as mães já possuem essa proteção. “No âmbito estadual, existe a Lei 22.439 e no municipal existe a Lei 10.940. As duas asseguram à lactante o direito de amamentar em público, em local de sua escolha, ainda que, nesses estabelecimentos, estejam disponíveis locais exclusivos para a amamentação, sob pena de multa”.

Contudo, Paula diz que somente as normas não são suficientes. “No Brasil há uma cultura de que leis, por si só, já garantem direitos, o que não é verdade. Para que uma regra cumpra sua função, é necessário que, antes de sua publicação, haja a construção de um cenário que, de fato, inclua aqueles indivíduos ou a ocorrência daquela situação. Se considerarmos a amamentação em público, primeiro é preciso que as pessoas tomem consciência da importância do ato”.

Entretanto, tudo mudou quando sua filha chegou. “O momento da amamentação é tão sagrado que fui capaz de tornar invisível qualquer olhar preconceituoso. Não me sentia constrangida. Mas, sinto que o tempo está passando e, como estamos rumo aos 6 meses, as pessoas já começam a indagar até quando irei amamentar. É necessário que a sociedade enxergue esse gesto como um ato de amor para que possamos receber, como mães, o apoio que precisamos”.Ela própria só se deu conta dessa relevância quando se tornou mãe. “Para mim, era apenas uma fase no desenvolvimento da criança. Claro, eu não sabia o que era amamentar e, tampouco, obtive conhecimento do processo emocional que esse ato envolvia. Não me lembro de uma campanha publicitária que fosse, de fato, eficiente a ponto de demonstrar a conexão que esse gesto cria e todos os seus benefícios”.

Ao longo da série #LeiteDeMãe falamos sobre a importância do aleitamento materno, a necessidade de acolher e dar suporte às mães que, por inúmeros motivos, não conseguem passar por esse processo. E, por fim, abordamos o respeito às mulheres que estão amamentando e como a lei contribui para que elas tenham o direito de alimentar seus filhos em público.