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Polarização diminui o campo de disputa eleitoral

Rudá Ricci

Não é surpresa para ninguém que o cenário político de 2022 vem sendo desenhado por meio da disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro. Prova disso é que uma recente análise do Instituto Datafolha mostra que, nos índices de intenção de voto para a eleição presidencial de 2022, os dois lideram. Na pesquisa espontânea, Lula passou de 21% para 26%, enquanto Bolsonaro foi de 17% para 19%. No segundo turno, o ex-presidente tem 58% contra 31% do atual.

Ao que tudo indica, o contexto de 2018, no qual parecia haver apenas dois candidatos, vai se repetir. Mas por que será que a política no Brasil se tornou uma moeda de apenas dois lados? O escritor e cientista político Rudá Ricci explica que isso vem do fato de sermos um país polarizado, onde duas forças se enfrentam, diminuindo, assim, o campo de disputa eleitoral.

O que é polarização política?
É quando duas forças, não necessariamente distintas do ponto de vista ideológico, acabam se enfrentando e diminuindo o campo de disputa política e eleitoral. Ou seja, os dois crescem tanto como alternativa um ao outro, que acabam enfraquecendo a possibilidade de outro nome. O que ocorre quase sempre é que o eleitorado se divide entre os dois polos e a eleição fica muito acirrada, quase que uma decisão plebiscitária entre um poder e outro. Esse tipo de situação não é incomum, principalmente no interior do Brasil.

Quais são as consequências disso para a democracia de um país?
O problema é que a disputa fica personificada, o que impacta na discussão sobre o programa de governo e ideologia do candidato. Quando o foco é a polarização, é discutido aspectos da vida privada dos postulantes e fala-se mais sobre uma conduta pessoal e não de projetos para o país.

Na política, a intimidade da pessoa conta muito pouco para a vida pública. Por exemplo, a orientação sexual de um candidato dificilmente vai ter alguma determinação no rumo do Brasil. Mas quando se polariza, esse passa a ser um tema importante porque diferencia um campo do outro. Então, indiretamente, se diz que tal pessoa, por causa de uma conduta privada, está se chocando com valores de um segmento social ou religioso. Quando isso acontece, se deixa de pensar em um projeto público.

Em sua opinião, o Brasil é um país polarizado?
Sim e tende a ser sempre assim porque somos um dos países com maior desigualdade social do mundo, mesmo tendo o 12º maior Produto Interno Bruto (PIB). Uma coisa é ser desigual em uma nação pobre, outra é num país rico como o nosso. Isso significa que a penúria, o ressentimento e a falta de opção de vida, de projeto e de expectativa futura são marcas do Brasil, o que gera uma projeção e até idolatria. Afinal, se não consigo ver saída, projeto uma mística sobre o dia em que uma porta da esperança irá se abrir.

Sendo assim, há quem se alinhe a uma liderança por acreditar que ela tem o poder de mudar aquilo que deseja. É por isso que nós tivemos, inclusive nos últimos anos, candidaturas de lideranças que se apresentam como críticos a ordem social. Tanto no caso do Lula, como no de Bolsonaro que, pela extrema-direita, disse que ia destruir toda a política tradicional.

Como o país pode deixar a polarização de lado?
O país pode deixar de ser polarizado quando a desigualdade social reduzir e as condições de vida e oportunidade da população aumentarem, diminuindo a ideia de que existam políticos salvadores e a idolatria. Deste modo, as pessoas começarão a sentir que tem poder e que suas estruturas de representação também apresentam um papel importante no campo institucional, além de falas mais fortes e de escuta.

Outro ponto é a educação política nacional. Os brasileiros são pragmáticos e isso gera líderes com esse mesmo perfil, que não pensam em projetos estratégicos, mas se organizam a partir de discursos demagógicos. Contudo, na medida em que discutimos a política, passamos a ter conselheiros mais preparados para criar alternativas. Se tivermos a formação de associações de bairros e sociedades rurais e falarmos sobre o tema no ensino médio e nas universidades, evidentemente, vamos ampliar o repertório da população, o que é fundamental.

Qual é o papel dos políticos nesse atual cenário?
Quando duas lideranças políticas percebem que há uma tendência de polarização ou os próprios candidatos se observam como dois polos polos de uma disputa política do país, tendem a jogar para que um reforce a ideia de que é o oposto do outro. Com isso, praticamente eliminam o centro e outras forças que gravitam ao redor.

A única chance de um terceiro nome conseguir entrar na disputa é tentar evitar isso. Evidentemente que, na medida em que ela acontece, um dos polos tenta demonstrar que é o mais capaz, mas aí ele só está disputando com outra pessoa e não com um conjunto de aspirantes ao cargo.

Em 2022 teremos a eleição concentrada em dois nomes?
Sim, pois a polarização política já está dada entre Lula e Bolsonaro do ponto de vista de qual deles será o presidente da República. É quase impossível um cenário diferente ocorrer. A terceira opção não chega nem a 10% do eleitorado. A disputa vai levar em consideração se o governo atual conseguiu manejar questões como economia, condições sociais, emprego, renda e segurança. Dessa forma, sempre será uma comparação entre o atual presidente e o anterior.