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Psicopatia: até 3% da população pode sofrer com esse transtorno

“A partir de hoje a sua vida acabou”. Essa foi a ameaça que Luma Silva* recebeu de seu ex-marido após pedir o divórcio. O motivo? Ela estava casada há mais de uma década com um psicopata. No começo, Luma acreditava que seu comportamento era normal, mas, com o passar do tempo, percebeu que a situação era grave.

Contudo, o que ela viveu é mais comum do que parece, já que estima-se que 1% a 3% da população seja psicopata. Segundo o psiquiatra e neurocientista, Pablo Vinicius, existem muitos disfarçados na nossa sociedade. “É o político que exerce um importante cargo, o militar de alta patente, a pessoa que está à frente de uma igreja. Normalmente, eles buscam postos de autoridade, onde estão enquadrados por uma lei que permite, indiretamente, que pratiquem sua perversidade. Nem sempre ele mata, mas pode destruir a vida de alguém”.

Foi exatamente assim que Luma se sentiu. “Desenvolvi uma depressão gravíssima. Adquiri ansiedade, medo de sair na rua, não conseguia trabalhar e não tinha ânimo. Era uma pessoa sozinha porque ele dissimulava tudo, me isolando e descredibilizando”.

Vinicius explica que o quadro é chamado de Transtorno de Personalidade Antissocial. “É algo que vai sendo desenvolvido ao longo da vida. A pessoa nasce com uma predisposição genética e isso se desenvolve de forma doentia, uma vez que o indivíduo é perverso, maldoso e mentiroso”.

Ele acrescenta que, tecnicamente, não existem níveis de psicopatia. O que se tem é uma discussão acerca do grau de perversidade que a pessoa apresenta. “Podemos falar do nível de frieza do psicopata, do quanto ele tem prazer em causar dano e sofrimento alheio. Nesse sentido, temos um transtorno leve, que é quando a pessoa não é criminosa, mas exerce sua maldade no local de trabalho, com seus subalternos ou em casa, com filhos e companheiro (a)”.

O que vai caracterizar um psicopata é sua necessidade de domínio e poder exercido sobre o outro. “Em um grau leve, esse dano é menor. Mas em casos mais graves, temos os assassinos e até serial killers. Pessoas que não demonstram culpa ou remorso e que buscam o crime por prazer, para satisfazer o desejo de fazer o mal. Em níveis extremos, gostam até de determinar a hora exata da morte da vítima”.

O psiquiatra diz que não existem traços universais que caracterizam um psicopata, mas que alguns fatores podem ser observados. “Geralmente, são pessoas inteligentes, sedutoras e manipuladoras. Por muitas vezes, hábil em virar a culpa para a vítima, articulados, uns podem ser agressivos e outros dóceis. Ele não tem empatia, é incapaz de sentir a dor alheia”.

Vinicius explica que não existe cura para o transtorno. “O indivíduo não se recupera da sua perversidade, embora haja mecanismo de contenção dela. Podemos, por exemplo, usar medicamentos para a agressividade, porém é como se fosse uma camisa de força química, em que a medicação prende determinadas características, contudo, se tirar o remédio, ele volta a ser o que é”.

Pedras no caminho

O psicólogo Ricardo Davids esclarece que conviver com psicopatas é um grande desafio. “Existe comumente o assédio moral, sexual, físico ou patrimonial. A pessoa será sugada ou usada e ainda pode se sentir insuficiente por não atender às expectativas do outro. Pode ser invalidada, vítima de chantagem emocional, colocada como inadequada ou louca em um ambiente social”.

Ele acrescenta que esse choque de convivência acontece porque a maioria das pessoas sem esse transtorno tem e praticam a compaixão, enquanto o psicopata usa disso para atender suas necessidades. “Só que no começo existe validação e sedução por parte dele. Depois do período da conquista, isso muda e as vítimas tendem a se culpar. O que pode levar a quadros de estresse pós- -traumático e até depressão”.

É preciso assistência às vítimas. “É importante que elas convivam com outras pessoas e busquem se fortalecer em redes de apoio, principalmente, no caso de não ter autonomia financeira. O ideal é perceber-se como vítima, reconhecer seus desejos, sonhos e necessidades como coerentes e justos. E encerrar, sempre que possível, o relacionamento nocivo”.

Demorou, mas Luma conseguiu perceber que estava em um relacionamento assim. O ápice veio quando ela descobriu uma traição. “Meu filho viu tudo. Isso foi a gota d’água e eu o expulsei de casa. Depois disso começaram as ameaças mais graves. Hoje, percebo que elas sempre existiram, mas não me atentava. Lembro- -me de uma vez que ele se machucou para me provar que poderia fazer o mesmo comigo”.

Infelizmente é bastante comum que psicopatas não permitam que suas vítimas terminem a relação. “Isso pode ser difícil e até impossível. Nesse caso, é fundamental colocar limites na relação. É importante também que ela nunca pense em vingança, pois isso irá mantê-la em um relacionamento destrutivo”, explica Davids.

Ele ressalta que é crucial que a vítima esteja ciente da impossibilidade de cura do psicopata. “Dessa forma, ela não pode esperar nada positivo dele. O ideal é manter o mínimo de afeto e distância. E ter em mente que qualquer coisa boa advinda está imbuída de uma intenção perversa que pode prejudicar a vítima e seus familiares”.

Manter a distância é o que Luma tem tentado. “A partir do pedido de divórcio, ele já invadiu a minha casa, ameaçou e agrediu a mim e a meus filhos. Consegui medida protetiva para a gente, mas isso o deixou ainda mais nervoso. Ele me persegue pela internet, pelo bairro e até judicialmente”.

A justiça, segundo ela, não tem sido eficaz. “A justiça é machista e defende os homens. Não interessa quantos BOs a mulher faça, o cara ainda vai ser um bom pai. Ela não considera que ele é um doente e que pode adoecer meus filhos também. Mas, tento ser forte, por mim e por eles. Estou me cuidando, me reencontrando, porque por um bom tempo, esqueci de quem eu era”.

*O nome da vítima foi alterado para preservar sua integridade física.