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“Falar que o voto não é auditado é tentar justificar uma atitude voltada ao rompimento democrático”

Renato Ribeiro de Almeida

As urnas eletrônicas são usadas nas eleições brasileiras desde 1996. Depois de mais de duas décadas, a discussão sobre a segurança dos equipamentos está novamente em pauta. Isso porque o presidente da República, Jair Bolsonaro, acusa o modelo de não ser confiável e alega que houve fraude na votação de 2018, apesar de não apresentar nenhuma prova sobre o fato. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), responsável pela organização das votações brasileiras, rebate as acusações de vulnerabilidade do sistema eletrônico e já demonstrou que utiliza a mais moderna tecnologia para garantir a autenticidade do processo eleitoral.

Mesmo assim, a partir da eleição presidencial de 2022, Bolsonaro quer que o voto de cada cidadão seja impresso e depositado numa urna. A ideia dele é que eles possam ser apurados manualmente em caso de fraude. O tema conquistou a atenção de seus apoiadores. Está no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 135/2019, redigida pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) e tem como relator o deputado Filipe Barros (PSL-PR), ambos integrantes da base governista. A PEC institui o mesmo modelo de voto impresso defendido por Bolsonaro.

Para entender a polêmica em torno do assunto, o Edição do Brasil conversou com Renato Ribeiro de Almeida, doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

Por que o presidente Bolsonaro defende o voto impresso?
As eleições usando urnas eletrônicas são realizadas desde 1996 no Brasil e são plenamente auditáveis. Nesses anos todos, nunca foi provada nenhum tipo de fraude no modelo. Se o presidente afirma que houve, ele deveria apresentar as provas. Ao não fazer isso, está apenas inventando um problema que não existe. Inclusive, ele tem aumentado o tom ao dizer que não haverá eleição em 2022 sem o voto impresso, assim como se o próprio não ganhar é porque teve fraude. É importante lembrar que Bolsonaro foi eleito por quase 30 anos como deputado federal, alcançando a presidência democraticamente em 2018 por meio das urnas eletrônicas. Ele está criando uma narrativa já pensando no seu futuro político, visto que a sua popularidade caiu bastante e no cenário atual é muito provável que perca as eleições. Falar que o voto não é auditado é uma cortina de fumaça para tentar justificar uma atitude voltada ao rompimento democrático.

É a primeira vez que se defende esse modelo em 25 anos?
Já tiveram outras tentativas de implantar o voto impresso e sempre há essa discussão. Porém, dessa vez é o próprio presidente da República que está gerando essa desconfiança no sistema democrático. Na visão dele, é como se a Justiça Eleitoral fosse a responsável por desvirtuar o resultado das eleições.

Em geral, é comum os candidatos derrotados reclamarem do resultado. Isso acontece no mundo todo. O ex-presidente americano Donald Trump disse que houve fraude nas eleições nos Estados Unidos, mas nunca conseguiu provar nada. No Brasil, o candidato Aécio Neves (PSDB) também questionou a segurança da votação eletrônica e pediu uma auditoria do resultado, logo após perder a eleição presidencial para Dilma Rousseff (PT). Depois da verificação, concluiu-se que não houve irregularidade.

A PEC 135/2019 tem chances de ser aprovada?
Acredito que dificilmente será aprovada, visto que os líderes da maior parte dos partidos já de manifestaram contrários à impressão do voto. O próprio ministro do TSE, Luís Roberto Barroso, já explicou sobre a segurança da urna. A PEC precisa ser apreciada na Câmara e também no Senado. Como se trata de emenda à Constituição, é necessário haver duas votações em cada Casa e o voto favorável de pelo menos três quintos dos parlamentares, ou seja, um quórum bastante elevado.

O voto impresso tem mais chances de ser fraudado do que o eletrônico?
No passado, a apuração das cédulas impressas depositadas nas urnas era feita de maneira manual. Em muitos municípios havia o juiz e o promotor eleitoral, além de pessoas da comunidade que eram convocadas para realizar o processo. A fiscalização é mais difícil. Alguém poderia usar uma cédula em branco e votar no lugar do outro ou rasurar a cédula para anular o voto. Esse modelo é muito mais passível de fraude e interferência humana do que o atual sistema eleitoral.

Outros países utilizam o voto impresso nas eleições?
Existe uma falácia de quem defende o voto impresso de que outras nações também o utilizam como, por exemplo, os Estados Unidos. Acontece que lá, eles não possuem a Justiça Eleitoral como temos no Brasil, ou seja, um órgão responsável por organizar as eleições. Cada estado realiza o processo de acordo com sua legislação própria. Alguns fazem com cédulas de papel, enquanto outros têm um sistema muito semelhante à nossa urna eletrônica.

A mudança do sistema teria custos aos cofres públicos?
Quais os principais problemas? A mudança pode custar aos cofres públicos, no mínimo, R$ 2 bilhões. A União vai precisar adquirir milhares de novos equipamentos. Se tivermos um dispositivo de impressão acoplado na urna eletrônica, temos que pensar nos mais de 5 mil municípios. Alguns são locais distantes ou funcionam até mesmo com o uso de gerador de energia. A taxa de erro no funcionamento do sistema seria maior, o tempo para votação também ficaria mais longo. Imagine o eleitor ter que esperar a impressão ou ainda, caso estiver errado, ter de corrigir o voto e só depois depositar numa outra urna. É tudo muito mais complexo e pode gerar problemas.

As urnas eletrônicas são seguras? Como funciona o sistema para evitar fraudes?
Elas são um avanço em vários aspectos. Existe sim uma fiscalização muito pesada em torno dos equipamentos, seja do próprio TSE, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministério Público Federal e Estadual, assim como das Polícias Civil, Militar e Federal. São feitas diversas checagens como a votação paralela. Por sorteio, a Justiça Eleitoral seleciona urnas para um teste público. Antes de iniciar a votação, também é emitido um documento conhecido como ‘zerésima’, atestando que ela não guarda nenhum voto. Ao final, imprime outro comprovante, apresentando a apuração daquela seção eleitoral. O boletim pode ser conferido na internet por qualquer cidadão.

Além disso, as urnas são off-line e sem conexão à internet ou nenhuma outra rede, o que impossibilita a invasão por hackers. O equipamento é lacrado e não permite a inserção de outros dispositivos, por exemplo, um pen drive. Meses antes de cada eleição, especialistas em computação são chamados para tentar fraudar a urna eletrônica. As brechas eventualmente descobertas são corrigidas pela Justiça Eleitoral. Os eleitores também são identificados por biometria, o que impede que uma pessoa vote no lugar de outra.