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Machismo, racismo e nacionalismo estão presentes em livros didáticos

Os livros didáticos estão presentes do início ao fim de nossa vida escolar. No entanto, esse material que auxilia alunos a aprenderem pode estimular tanto positivamente quanto negativamente. Essa foi a conclusão da pesquisadora Lara Marin (foto), mestre em Estudos Culturais pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP) em sua publicação: “A Cultura nos Livros Didáticos”.

Em sua obra, ela mostra como a cultura de cada época tem influenciado no conteúdo inserido nos livros, visando à formação de crianças que se adequem ao perfil de “cidadão ideal” de cada tempo e sociedade.

Lara identificou que, até o fim do século 20, havia abundância de cultura religiosa, machismo, consumismo, racismo e nacionalismo expressos em forma de contos de fadas, HQs, palavras cruzadas, ilustrações, poemas e outras manifestações culturais. Em entrevista ao Edição do Brasil, a pesquisadora fala mais sobre esse assunto.

De um modo geral, qual a importância dos livros didáticos?

Trata-se de um material de grande importância para a organização curricular do que é ensinado em cada série. Ele serve de banco de propostas didáticas sobre determinados conteúdos e para orientações pedagógicas à docência. Além disso, é um dos itens que chegam às escolas e aos estudantes por meio de políticas públicas.

Como essas obras são produzidas e pensadas?

São produzidos por editoras, específicas ou não, sobre determinado conteúdo. Desde 1985, com a criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), há políticas públicas para a distribuição para as escolas. As editoras se organizam para contratar autores especialistas nas áreas e publicar obras de acordo com os parâmetros curriculares nacionais, atualmente representados pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Neles há textos, propostas didáticas e orientações ao docente sobre como encaminhar as atividades. Eles são pensados pelas editoras para atender essas demandas pedagógicas e ter boa avaliação do governo para serem comprados e distribuídos.

Como essas publicações podem influenciar no desenvolvimento de uma criança enquanto cidadã?

Não só a criança, mas todos nós vivemos em constante aprendizado, sobretudo com relação à cidadania. Os conteúdos presentes e a forma com a qual eles são tratados revelam aquilo que desejamos para a sociedade. Se há textos racistas, por exemplo, a criança vai aprender que isso é algo legitimado pelo livro, escola, adultos que a rodeiam e pela coletividade. Com isso, ela passa a compreender que o racismo é aceitável.

Esses livros não deveriam ter um conteúdo neutro?

É praticamente impossível qualquer produção cultural não influenciar alguém. Não devemos entender a influência como algo negativo. O que importa é apreender qual conteúdo está sendo transmitido e como ele é abordado. Se, enquanto sociedade, compreendemos que determinados temas são prejudiciais à formação da cidadania, devemos evitá-los. Isso também é educar a criança. Não é correto influenciarmos as pessoas a serem racistas, machistas e intolerantes. O que está presente nos livros deve ser cuidadosamente selecionado.

Antes, era comum que livros trouxessem temáticas polêmicas como racismo e intolerância religiosa. Esse cenário mudou?

Até o meio do século XX, aproximadamente, era muito comum encontrarmos textos racistas, nacionalistas e com moral religiosa. Em obras de Língua Portuguesa havia poesias que tratavam do criacionismo, por exemplo, como resposta única ao surgimento da natureza e do universo. Também encontrávamos fragmentos relacionando pessoas negras a “escravos, criados e preguiçosos”. Esse conteúdo não estava ali, necessariamente, para sugerir uma problematização sobre as questões sociais, mas como exemplos gramaticais de falas comuns à época, o que demonstra quão normal eram tais concepções nesses períodos.

Esse cenário mudou, pois, hoje, a escola é laica e as publicações não apresentam trechos religiosos como doutrina, por exemplo. Além disso, a questão do racismo é e deve ser, cada vez mais, problematizada na nossa sociedade de maneira a não aceitarmos mais referências culturais racistas como algo normal. No entanto, atualmente, percebemos um retrocesso com relação a essas questões quando vemos notícias de livros que estão apresentando conteúdo racista, machista, homofóbico etc. Precisamos estar atentos àquilo que consideramos natural ou normal na sociedade para evitarmos comportamentos e concepções que não são mais aceitáveis.

Como assegurar um ensino neutro, garantindo debates importantes para a formação dos alunos como cidadãos?

Nenhuma produção cultural e atuação profissional é totalmente neutra. No entanto, a neutralidade no sentido de espaço para o debate acontece no encaminhamento das atividades feitas por professores dentro da sala de aula. São eles que selecionam aquilo que irão trabalhar com seus estudantes e de que forma o farão. O livro didático pode servir de guia, mas é o docente quem define como ele será usado.

É assim que garantimos um espaço de debates importantes para a formação de estudantes, com neutralidade, em que todos possam se expressar e compreender as ideias apresentadas. Por fim, aquilo que é preconceituoso não deve aparecer e, se surgir, professores, certamente, tratarão de forma questionadora.