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90% da população trans no Brasil tem prostituição como fonte de renda

O programa No Limite, produzido e transmitido pela Rede Globo, levantou uma importante discussão: a falta de oportunidade que pessoas trans e travestis têm no mercado de trabalho. Durante uma conversa, Ariadna Arantes, conhecida por ser a única participante trans da história do Big Brother Brasil, revelou que precisou se prostituir no começo de sua vida adulta por não conseguir um emprego formal. Ela foi criticada pela também participante do reality, Íris Stefanelli, que disse: “todos temos escolha”, mas será que é assim tão simples?

Estima-se que 90% da população trans no Brasil tem a prostituição como fonte de renda e única possibilidade de subsistência. Esse índice é causado por diversos fatores, dentre eles a dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho. Além da deficiência na qualificação profissional causada pela exclusão social, familiar e escolar.

Os dados são da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e mostram ainda que, em média, pessoas desse grupo são expulsas de casa pelos pais aos 13 anos. Informações do Projeto Além do Arco-Íris/ AfroReggae apontam que apenas 0,02% estão na universidade, 72% não possuem o ensino médio e 56% o ensino fundamental.

Além da falta de oportunidade, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. De forma contraditória, é o lugar onde mais se consome pornografia deste grupo. A estimativa é de que a cada 48h uma pessoa trans seja assassinada por aqui. A idade média da vítima é de 27,7 anos. E é na prostituição que se encontra a maioria esmagadora das vítimas: 70% dos assassinados foram direcionados àquelas que são profissionais do sexo. 55% deles aconteceram nas ruas.

Para a secretária de articulação política da Antra, militar da Marinha do Brasil e travesti, Bruna Benevides, os dados mostram que, muitas vezes, homens se sentem atraídos sexual e afetivamente por mulheres trans/travetis, mas não sabem lidar com esse sentimento. “Elas não são vistas e reconhecidas como pessoas aptas a uma possibilidade de relacionamento”.

Ela atribui isso à transfobia presente em nossa sociedade. “Além dos diversos estigmas que são colocados,o homem estaria infringindo uma regra da heteronormatividade. Seu status seria colocado em xeque ao se envolver com alguma trans ou travesti. E aí caímos na perspectiva da fetichização dos nossos corpos. Eles podem ser explorados, seja na pornografia ou no trabalho sexual. Mas nunca podem estar em um relacionamento afetivo ou na construção de laços sociais e afetivos”.

Esse processo, segundo ela, gera homens sexualmente frustrados. “Isso porque eles não podem exercer seu desejo de se relacionar com outros corpos que não sejam o cisgêneros. O risco de serem descobertos se relacionando com alguém trans/travesti autoriza que eles nos desejem na tela e na pornografia, mas, também, faz com que acreditem que, ao nos encontrar pessoalmente e não saber lidar com a pessoa objetificada, se tornem violentos”.

Reflexos

Todo o preconceito sofrido pela população reflete diretamente nas oportunidades de conseguir postos de trabalho. “Existe uma insistência em atribuir qualquer tipo de demérito ou incapacidade social às pessoas trans. E isso dificulta a interação, contratação e também permanência no mercado. A ruptura familiar e a exclusão social fazem surgir a exclusão escolar, o que dificulta o processo educacional, de formação e qualificação técnica”.

A partir daí, se inicia um ciclo de precarização dessas vidas. “De invisibilidade e marginalização. Fora isso, existe a transfobia, que inclui discursos violentos e narrativas falaciosas dentro da identidade de gênero. Colocando-nos em posições não saudáveis, de pessoas que não devem ser incentivadas. Há ainda a questão da evasão pós-contratação por consequência do assédio transfóbico que, muitas de nós, sofremos. E ele vem do corpo administrativo das empresas e de colegas de trabalho”.

Mudanças

Para Bruna, faltam políticas públicas para pessoas trans em todos os âmbitos. “No mercado de trabalho não é diferente. Especialmente nesse cenário de desemprego, tetos de congelamento de gastos e Reforma Trabalhista. Consequentemente, a população que já enfrentava um alto índice de desemprego ou de subempregos tem sido mais impactada”.

Ela acrescenta que todo esse processo precisa ser bem compreendido. “Políticas de segurança públicas, por exemplo, não devem ser pensadas com base no que já aconteceu. É necessário que haja investimento na informação e educação para se pensar também em prevenção. Além disso, é importante se formar policiais, agentes de saúde e membros do Judiciário para fazerem a efetiva notificação, pois existe muita impunidade”.

Por fim, ela ressalta que é preciso projetos de incentivo à formação, contratação e permanência de pessoas trans no mercado. “Se não existirem ações para o enfrentamento da violência e garantia da entrada no mercado, a situação nunca irá mudar. É preciso enfrentar a questão como um todo, principalmente, com investimentos adequados”, conclui.