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Brasil é líder no ranking de violência contra crianças e adolescentes da América Latina

Cida Vidigal

Henry, Gael e Ketelen. Esses são nomes de crianças que perderam a vida devido à violência infantil. Uma pesquisa que avaliou a percepção da sociedade sobre essa barbaridade colocou o Brasil como o mais violento. Por aqui, 13% dos entrevistados enxergam que existe um alto risco dessas práticas contra crianças. Em seguida aparecem o México, com 11%, o Peru e a Bolívia, ambos com 10%. Em contrapartida, as melhores percepções foram verificadas em Honduras e na Costa Rica, com 2%.

Dados do Programa de Atenção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Violência (FIA/RJ) traçaram o perfil daqueles que mais sofrem com agressões e abusos. No estudo foi possível identificar que em 58% dos casos, as crianças estão na faixa etária de 0 a 6 anos. O principal tipo de violência é o abuso sexual (49,3%), seguido pela psicológica (24,4%), física (15,6%) e negligência (10,7%).

A pesquisa mostra ainda que crianças entre 7 e 11 anos representam 30% das vítimas. Além disso, os adolescentes que sofrem violência correspondem a 12%. Segundo a análise, a preferência dos autores por mais jovens pode ser explicada pelo fato de serem mais vulneráveis. O levantamento revelou também que as meninas são as que mais sofrem agressão. Elas representam 62% das vítimas, enquanto meninos são 37,7%.

O Edição do Brasil conversou sobre o tema com a advogada Cida Vidigal, especialista em direitos humanos e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB MG.

O Brasil é um dos países com mais risco de violência infantil e o 5° que mais mata criança e adolescente. A que você atribui isso?
A infância e a adolescência são períodos essenciais à formação emocional, mental e física dos seres humanos. Diferentemente de outros animais, o homem nasce completamente dependente de outro ser de sua espécie para sobreviver. Nascemos destituídos de meios para nos autoproteger, nesse contexto, entra a família como primeiro núcleo de amor e proteção, que mais tarde vai se expandir para a escola e a vida social.

Ocorre que, no Brasil, desde sempre, a infância é negligenciada e, em muitas realidades, falta o básico à criança e ao adolescente. O resultado disso é um alto índice de violência contra esse grupo.

Dados mostram que a violência contra a criança tem crescido no país durante a pandemia. Quais são as causas disso?
Os números apontam para um aumento de um quadro que sempre existiu, mas que era e ainda é pouco divulgado. Desde os tempos mais antigos sabemos que as crianças e os adolescentes eram educados com castigos físicos muito severos e até torturas. Essas práticas, extremamente rigorosas e desumanas, se justificavam no discurso social e religioso como uma forma de amor.

A pandemia não trouxe mais violência, ela apenas potencializou e tornou visível uma realidade que, na maioria das vezes, ficava oculta no ambiente da casa. A crise sanitária colocou mais pessoas juntas por um tempo maior e em condições mais desgastantes. Esse cenário complexo gera um ambiente mais hostil e quem está exposto a ele são as crianças, adolescentes e membros mais vulneráveis da família.

O que se caracteriza como violência infantil?
A Constituição Federal de 1988 prevê que a família, a sociedade e o Estado são responsáveis por proteger e assegurar às crianças e aos adolescentes condições para crescerem e se desenvolverem com dignidade. Sempre que vivenciamos situações nas quais eles estão expostos a algum tipo de risco verificamos um flagrante descumprimento desses preceitos.

A violência infantil pode ser caracterizada por diversas modalidades de comportamentos e/ou omissões que variam desde a negligência e abandono do menor; passando pelas violências física, psicológica e sexual; podendo tomar formas ainda mais gravosas como a tortura, o tráfico de crianças e adolescentes, o aliciamento e a exploração sexual, o trabalho escravo, entre outros.

Como denunciar nesses casos?
Diante da constatação de violência, é preciso que haja denúncia imediatamente. Se há uma suspeita ou conhecimento de que alguma criança ou adolescente esteja sofrendo qualquer tipo de violência, comunique imediatamente ao Conselho Tutelar de sua cidade ou o Disque 100. É garantido o anonimato a quem denuncia uma situação de maus-tratos. O importante é não silenciar diante de uma condição na qual um vulnerável encontra-se em perigo. Quem sabe e silencia também é culpado pelos crimes que estão acontecendo.

Quais as consequências para quem comete esse tipo de violência?
Esse indivíduo será enquadrado nos tipos penais dos crimes previstos no Código Penal Brasileiro (Decreto-lei 2.848/1940), agravados pelas leis de proteção à criança e ao adolescente, como o Código da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), Lei da Palmada (Lei 13.010/2010), Lei de Tortura (Lei 9.455/1997), entre outras.

Uma vez que quem deveria cuidar passa a agredir, impõe-se o dever do Estado de punir severamente. Nesses casos as penas poderão variar de acordo com a gravidade e a proporcionalidade da violência e podem levar o agressor a penas de reclusão que variam de 4 a 12 anos. Penas estas que, dependendo das circunstâncias, poderão atingir o limite de 30 anos de reclusão previstos em nossa legislação.

Quais medidas deveriam ser tomadas para que esses índices diminuíssem?
Reverter esse quadro é transformar o cenário de descaso do poder público e fortalecer bases essenciais à vida humana, como educação de qualidade para todos, implementação do diálogo entre as pessoas do núcleo familiar e proteção para os vulneráveis. Enquanto não tratarmos a infância e a adolescência com respeito e proteção não podemos vislumbrar a diminuição dessa situação no Brasil.

Para diminuir esse quadro dramático e covarde é necessária a implementação de medidas multidisciplinares para que os agressores sejam efetivamente punidos. E isso deve acontecer na medida da gravidade da agressão, mas para que também recebam assistência psicológica. Não necessitamos de novas leis, precisamos fazê-las se efetivarem na prática. Além disso, é essencial promover tratamentos para as vítimas, bem como campanhas de conscientização para seus pais e parentes a fim de que auxiliem e denunciem os agressores.