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Na raiz do problema: fechamento da Ford no Brasil é apenas a ponta do iceberg

Luiz Carlos Hauly

Após mais de 100 anos produzindo automóveis no Brasil, a Ford anunciou o encerramento de suas três fábricas. A decisão da empresa traz um grande impacto na economia do país e escancara graves problemas estruturais. Sobre o assunto, o Edição do Brasil conversou com o economista Luiz Carlos Hauly. Ele fez um apanhado da economia, criticou duramente o sistema tributário e explicou os motivos que culminaram com o fechamento.

Qual o panorama econômico dos últimos anos?
Venho observando o desenvolvimento industrial e o que tem acontecido aqui é um processo degenerativo da economia brasileira nos últimos 40 anos. Desde a Independência, o Brasil é um dos países que mais cresceram no mundo do início do século 20 até 1980. Foram pelo menos 50 anos com elevação de 6,3% ao ano de média do Produto Interno Bruto (PIB). A título de comparação, os Estados Unidos avançaram 3,5% no mesmo período. Na época, atraiamos investimentos de todas as partes do globo e fomos industrializando e desenvolvendo. Atualmente, somos o quinto maior território, sexta maior população, nona economia e possuímos as terras mais férteis, ricas e com clima favorável. Nossa agricultura é crescente e nos tornamos o maior produtor de alimentos mundial e exportador de commodities de minério. Temos superávit na balança comercial, porém, falta desenvolver a economia.

Em 1981, o Brasil entrou em uma crise econômica brutal e decrescemos até 1983 cerca de 8,5% no PIB. Desde então, nunca nos acertamos economicamente. Passamos a ter o chamado “voo de galinha”, ou seja, avançamos um pouco, mas logo em seguida caímos. Nos últimos 40 anos perdemos potência de crescimento e começamos a avançar apenas 2% ao ano de média. De 2011 até 2020 estamos em 0% de crescimento, sendo a pior década da história para a economia nacional. Ainda atravessamos uma crise e não conseguimos sair dela. Entre 2014 e 2016, o PIB caiu 8,2% e estamos negativos em 1,7% ao ano nos últimos 6 anos. Enquanto isso, os países emergentes, mesmo com a pandemia, devem crescer em torno de 50%.

Quais motivos levaram a Ford a fechar as fábricas?
O país vem se degenerando nos últimos 10 anos, quando estagnamos completamente o nosso crescimento econômico, com fuga de investimentos, com 13% de desemprego crônico, com mais de 50% das famílias e empresas inadimplentes e o governo federal com 6 anos de gigantescos déficits primários.

Sendo assim, uma das principais razões que levaram à decisão da indústria em encerrar a produção no Brasil é a alta carga de impostos. Relatórios da Ford indicaram, inclusive, o complicadíssimo sistema tributário brasileiro. A fábrica ainda tinha dificuldades em receber incentivos fiscais. A pandemia trouxe um grande impacto para a economia mundial, incluindo o Brasil. Isso contribuiu muito para que a empresa fechasse as linhas de produção brasileira. Ela também teve seus problemas internos e tudo isso combinado terminou com essa decisão extrema.

Nosso sistema tributário é complicado?
Sim, os problemas atuais começaram em 1965, quando a Emenda Constitucional 18 criou o modelo tributário. Os impostos no Brasil incidem sobre três itens: patrimônio das pessoas e empresas, renda e proventos de qualquer natureza, consumo de bens e serviços. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que este último tenha 1 milhão de itens, desde uma vassoura até um avião. O que acontece hoje é que temos vários tributos que incidem sobre o consumo. As empresas precisam pagar alíquotas de impostos diferentes e em datas distintas, causando uma bitributação. Sendo assim, o valor do produto fica mais caro, onerando especialmente as classes econômicas mais baixas. Além disso, criou também uma guerra fiscal, pois parte do ICMS é cobrado na origem. Nosso sistema é um manicômio tributário, mata as empresas, a livre concorrência, os empregos, o salário líquido, o poder de compra e a economia.

Os principais impostos que incidem sobre o consumo são PIS, Cofins e IPI, que são federais, ICMS é estadual e ISS é municipal. O nosso sistema tributário foi complicando ao longo dos nãos na medida em que aumentava a carga tributária e criava novos impostos. A Emenda Constitucional 18 deixou o sistema complexo e burocrático. O Brasil foi à direção contrária da Europa que evoluiu para o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), ou seja, tributa em cada etapa e deduz o que foi cobrado na fase anterior até chegar ao consumidor final. Atualmente, 170 países entre 190 avaliados tributam uma vez só nacionalmente e no destino.

Que outros problemas o sistema tributário tem causado?
O sistema tributário acaba com a economia de mercado, uma vez que existem empresas que honram com seus compromissos financeiros enquanto outras não pagam nada. São tantas distorções que, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), mais de 25% do PIB está na informalidade, ou seja, não fazem declaração de imposto, não tiram recibo. Além disso, é permitido declarar o imposto e na data de vencimento não pagar. Ele entra na dívida ativa até chegar um refisco, onde tira multa, juros. O Brasil possui R$ 3 trilhões em dívida ativa, o equivalente a 42% do PIB.

Outra distorção é que a União tem mais de R$ 300 bilhões de renúncias fiscais por ano, enquanto os estados e municípios mais R$ 200 bilhões. No total, o valor somado corresponde a 1% do PIB. O governo federal, estadual ou municipal abre mão de parte dos impostos cobrados no preço de mercadorias de bens e serviços.

Enquanto na Europa não existe mais barreira tributária, o Brasil possui 27 delas. Por exemplo, a mercadoria vai de São Paulo para o Nordeste, custa 7% o imposto. Se for o caminho inverso, custa 12%. Existe uma série de exceções na regra geral. E um sistema tributário justo não tem exceções. Toda essa burocracia tem um custo e o Brasil gasta muito tempo e recursos para a o pagamento de tributos. De acordo com o Banco Mundial, o valor chega a ser 1% do PIB nacional ao ano.

Como podemos analisar os reflexos no mercado de trabalho?
Uma consequência da economia desestruturada é o desemprego crônico. Estamos com 14 milhões de desocupados desde 2014 e a fila não diminui. E, no meio da crise, conforme anúncio da Ford, cerca de mais 5 mil pessoas ficarão sem trabalho por conta do encerramento de suas atividades.

Outras empresas também podem fechar no Brasil como aconteceu com a Ford?
O Banco Mundial possui um relatório que mede sete variáveis para avaliar qual é o ambiente de negócios em 190 países. O Brasil ocupa a 127ª posição. Isso porque um dos principais requisitos é justamente o sistema tributário. E, nesse assunto, figuramos na 184ª colocação. Nós já perdemos desde 2014 mais de 36.600 fábricas, o equivalente a 17 companhias extintas por dia. Cada micro, pequena ou grande empresa que fecha ou deixa o país causa uma perda irreparável. A Ford é apenas a ponta do iceberg de um problema estrutural brasileiro.

O que pode ser feito para resolver o problema?
As autoridades que governaram o Brasil estão focadas em resolver questões macroeconômicas, sendo que o problema é microeconômico, ou seja, formação de preços até o consumidor final. A PEC 110/2019 está em tramitação e prevê a simplificação radical da Base Consumo e da renda, acaba com todos os tributos de consumo ficando apenas um imposto único, além de resolver a supertributação sobre as famílias de baixa renda. Elas pagam o dobro de impostos do que os ricos.

Outro pilar é a cobrança com Tecnologia 5.0, que acontecerá no ato da compra e venda. Não será mais necessário preencher a guia de recolhimento e pagar no mês seguinte. O dinheiro do imposto vai automaticamente para o caixa do governo. O modelo acaba com a burocracia e zera a dívida ativa.

Um terceiro ponto importante é dar uma atenção especial para itens essenciais como alimentação, remédios, água, esgoto, atividades ambientais, artigos de higiene e limpeza. Devolução do imposto para famílias de baixa renda via Nota Fiscal Brasil. Isso que estamos propondo vai viabilizar o desenvolvimento empresarial brasileiro e todas as empresas terão o mesmo tratamento e um único CNPJ. Assim, vamos ter mais competitividade e o Brasil voltará a crescer 7% ao ano. Uma reforma tributária ampla é o remédio que estamos precisando.