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Inédito: perfil dos candidatos nas eleições é homem negro, casado e com ensino médio

Doacir Quadros

A representação dos candidatos nas eleições municipais 2020 mudou. Diferente dos anos anteriores em que a cor branca predominava as opções, segundo levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o novo perfil médio dos postulantes é homem, negro, casado, 46 anos e ensino médio completo. De acordo com o TSE, mais de 548 mil pessoas se registraram para participar das escolhas para cargos do Executivo e Legislativo. Deste total, 49,9% se declararam pardas ou pretas. Os brancos representam 47,8%, indígenas são 0,4%, 0,4% se consideram amarelos e 1,6% não informaram a raça. Para discutir esse assunto, o Edição do Brasil conversou com Doacir Quadros, professor de Ciência Política e mestre acadêmico em Direito, mais sobre esse assunto.

Desde a redemocratização, qual o perfil predominante de candidatos nas eleições?
A partir das informações disponíveis no TSE, alguns estudos mostraram que, em 2016, o perfil médio dos aspirantes a cargos eletivos no Brasil, seja no Executivo ou Legislativo, é formado por homens, brancos e com mais de 12 anos de estudo. Porém, o contraditório é que estas características são distintas do eleitor brasileiro que, na sua maioria, é mulher e tem no máximo 9 anos de estudo. Esses dados mostram bem que no país, mesmo após a redemocratização, em 1989, a política partidária ainda está restrita aos homens.

Num país com a população predominantemente negra e parda, qual a importância deste primeiro passo para uma mudança na política representativa do Brasil?
Os dados divulgados pelo TSE sobre as características dos candidatos nas eleições 2020 são importantes, pois mostram uma real possibilidade de mudança no perfil da elite política representativa no Brasil. Deve-se continuar as campanhas de conscientização das “minorias” sobre a relevância da participação na política. Mas ainda observamos que, para cargo de prefeito, a grande maioria dos postulantes (63%) são brancos e 35% negros, para vice-prefeitos 59% são brancos e 38% negros. Ou seja, os cargos para o Executivo ainda estão restritos a um perfil de candidato.

Qual a razão para essa disparidade representativa de acordo com o cargo a ser concorrido?
No Brasil, o grau da escolaridade e a cor estão ligados ao cargo em disputa no pleito. Aqui, a tendência é que os aspirantes a prefeito possuam um maior nível de ensino e sejam predominantemente brancos. Na ciência política há estudos que procuram saber como o eleitor escolhe o seu candidato nas eleições. Eles mostram que uma parte significativa do eleitorado no país entende que para se ocupar um cargo no Executivo seja no âmbito municipal, estadual ou federal é necessário o político ter uma formação escolar suficiente para gerir os complexos problemas públicos, sobretudo nos municípios médios e nas grandes cidades. A educação no Brasil vem se democratizando nos últimos anos, mas ainda mostra a exclusão em algum momento do estudante negro das salas de aulas e por algum motivo vem impedindo-o de atingir o ensino superior.

Quando observamos os dados de mulheres negras em cargos políticos são ainda mais estarrecedores. Na sua análise, qual a explicação para isso?
Recentemente, publiquei um artigo tratando deste assunto. Nele eu comento sobre algumas possíveis causas para a sub-representação das mulheres no Congresso Nacional. Primeiro, existe uma falácia dos fatores culturais que apontam a mulher brasileira como alguém que “não gosta de política”, portanto não apta a liderar as transformações sociais via atividade parlamentar. Hoje, o Brasil tem 16.878.090 eleitores filiados a partidos políticos, sendo que 44% são do sexo feminino. Ou seja, elas gostam de política. Em segundo lugar, existe a Lei 9.504/1997 que determina que 30% das candidaturas devem ser ocupadas pelas mulheres nas siglas, mas é burlada pelas legendas. E, quando saem postulantes, recebem uma distribuição desigual dos recursos partidários, o que inevitavelmente interfere no sucesso eleitoral delas e impede que se elejam.

Em outras democracias, a representação política em relação à cor da pele está mais avançada?
O aumento da participação feminina é debatido mundialmente. Segundo o Mapa das Mulheres na Política, publicado em 2019 pela União Interparlamentar e pela Organização das Nações Unidas (ONU), os países que apresentam maiores índices de representação feminina são Ruanda (1º), Cuba (2º) e Bolívia (3º). O Brasil ocupa a posição 134 entre 193 países. Por aqui, as estruturas sociais e a construção cultural colocam a mulher como responsável pelos afazeres domésticos.

Que tipo de ações podem ser feitas para sanar essa discrepância entre população e representação política?
Em primeiro lugar, observamos que no Brasil houve avanços legislativos com o objetivo de incluir a mulher na política. A lei 9.504/97 que estabelece o mínimo de 30% e o máximo de 70% de suas candidaturas de acordo com cada sexo. O TSE com a Resolução nº 23.604/2019 estabeleceu o direcionamento de 5% do fundo partidário para a formação e difusão da participação política das mulheres. Em segundo lugar, é importante a criação de campanha de conscientização sobre a importância da participação delas na política. Um bom exemplo é o “Movimento Mulheres Negras Decidem” criado em 2018 e com o intuito de ampliar o número de candidaturas negras. Este grupo promoveu encontros nacionais para formação política e para definição das pautas de defesa do movimento negro no Brasil.