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Novo coronavírus pode aumentar desigualdades educacionais no país

Desde março, quando foi declarada a pandemia de COVID-19 no Brasil, o ensino presencial nas instituições públicas e privadas foi suspenso como medida de conter a propagação da doença. Várias datas foram anunciadas como possível retorno, mas a situação de novos casos e óbitos ainda não permite tal concretização. A saída foi tentar manter as aulas por meio da internet.

Esse período atípico na educação certamente vai trazer prejuízos para milhares de crianças e adolescestes como atraso nos conteúdos lecionados. Além disso, a sensação de ano letivo perdido é constante entre os alunos. Sobre esse assunto, o Edição do Brasil conversou com Lívia Fraga, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente (Gestrado).

Quais são os prejuízos para os alunos?

Nós já conhecíamos a Educação a Distância (EaD), que tem um programa de ensino, materiais específicos e encontros presenciais. Ela é diferente do modo remoto, onde tudo é feito pela internet, intermediado pelo computador, smartphone ou tablet. Acontece que as escolas são instituições da presença física e da interação entre docentes e alunos. Portanto, um dos prejuízos é o da socialização, contato com outras pessoas, calor humano e troca de conhecimento. As instituições têm muitos significados. Para uma criança, por exemplo, tem o valor das amizades e brincadeiras. O isolamento social tem sido um problema, pois muitos jovens estão com saudade dos professores e vice-versa.

Entre outros prejuízos está a aprendizagem e até mesmo a formação dos estudantes, porque nem todos possuem a mesma condição de equipamento e conectividade. Às vezes tem um celular sem acesso à internet ou um computador sem condições mínimas de funcionamento. Isso ocorre porque temos imensas desigualdades sociais no Brasil, o que dificulta a acessibilidade a essas ferramentas. O país também tem problemas de pobreza, sendo a escola importante no sentido de garantir uma alimentação balanceada aos alunos.

Isso pode aumentar a desigualdade?

Todos os prejuízos fazem a desigualdade crescer. Ela já existia antes da pandemia e só foi piorada. Além disso, aqueles alunos com mais dificuldade de aprendizado não conseguem seguir pelo ensino remoto. Antes, tinham um aproveitamento escolar maior, acompanhamento, acesso à biblioteca. Agora, estão todos em casa e, muitas vezes, sem conectividade e equipamento adequado. Isso traz consequências no ensino de crianças e jovens, afinal, muitos estavam se preparando para o Enem e ingressar em uma universidade. Eles têm se desdobrado para conseguir estudar.

O fato é que a população brasileira possui várias vulnerabilidades. O desemprego aumentou, houve diminuição ou perda total de renda, o que causam impactos também na educação. Além disso, nossos governantes são omissos e não existem políticas para atuar nessas situações de aumento da desigualdade educacional. As pesquisas demonstram que os mais adoecidos pela COVID-19 são os pobres e negros, também a parcela da sociedade mais prejudicada na educação.

O Brasil estava preparado para ter aulas virtuais, tanto professores, quanto alunos?

Ninguém estava preparado para essa realidade. O Gestrado realizou uma pesquisa com quase 16 mil docentes das redes públicas de educação básica no Brasil. Foi perguntado se eles já possuíam alguma experiência com ensino remoto. No ensino médio, 84% responderam que não tinham nenhuma vivência anterior. Quando questionados se o equipamento usado em casa é apenas de uso próprio, a metade compartilha com outras pessoas da família. Em relação à carga de trabalho, em média, 82% deles perceberam aumento das horas de trabalho.

Entre outros dados do estudo, cerca de 84% dos professores afirmaram que o envolvimento dos alunos diminuiu um pouco ou drasticamente durante a pandemia. Dos entrevistados, em média, 36% disseram que os estudantes não têm acesso aos recursos necessários para acompanhar os ensinamentos e realizar as atividades. No quesito tecnologia, 9 em a cada 10 docentes utilizam o telefone celular para ministrar aulas a distância. Em seguida aparece o notebook, sendo usado por 76% dos participantes.

O ensino por meio das aulas on-line é a mesma coisa que a presencial?

Eu já recebi mensagens de alunos que disseram preferir aulas presenciais. Eles gostam de aprender o conteúdo fisicamente com um professor. Durante esse período de pandemia, temos usado aplicativos de vídeo para transmitir o conhecimento. Isso tem sido ruim tanto para os docentes quanto para os estudantes, mas é uma medida de caráter emergencial.

No entanto, o ensino remoto não resolve todos os transtornos do ponto de vista da aprendizagem. Os materiais foram desenvolvidos de maneira acelerada. Em Minas Gerais, por exemplo, eles possuem baixa qualidade e com erros. A maioria dos professores está insatisfeita e não têm autonomia para fazer qualquer mudança.

Esse ano atípico poderá ser recuperado?

Quais soluções podem ser adotadas? É uma experiência em que não é possível exercer com plenitude aquilo que a escola presencial proporciona, o que evidentemente resultará em uma perda. Porém, essa recuperação depende das políticas do governo federal, estadual e municipal. É preciso combater as desigualdades, fazer investimentos nas escolas e melhorar a formação de docentes. Isso sem falar em políticas sociais como garantir acesso a dispositivos e conectividade mais barata para a população de baixa renda. Numa pesquisa realizada em uma escola municipal de educação infantil de Belo Horizonte foi constatado que apenas 20% das famílias tinham internet e equipamento em casa para estudar de forma remota.