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79% dos brasileiros esperam que marcas tenham posicionamento político e social

D.J. Castro

Questões políticas, sociais, culturais e até relacionadas ao meio ambiente fazem, cada vez mais, parte do cotidiano da população. Por causa disso, tem sido difícil para as marcas ficarem de fora de debates e não demonstrarem suas opiniões em diversos assuntos. Prova disso é uma pesquisa da Accenture Strategy, a “Global Consumer Pulse”, que mostra que 83% dos brasileiros preferem comprar de empresas que defendem propósitos alinhados aos seus valores de vida, dispensando as que escolhem se manter neutras. Sobre este tema, o Edição do Brasil conversou com o especialista em branding D.J. Castro que relata que 79% dos consumidores optam por marcas que expõem seus posicionamentos em questões importantes da sociedade.

Houve um tempo em que as marcas tinham receio de se posicionar?

O que mudou? Antigamente, as marcas utilizavam essas situações de comoção política e de mudança de comportamento da sociedade mais como temas para anúncios e campanhas do que como causas para serem defendidas. Temos exemplos na época da ditadura militar, com produtos de TV e propagandas de carro que faziam brincadeiras com situações relacionadas à censura ou até mesmo a tortura. Ao longo do tempo isso foi mudando e algumas empresas começaram a perceber que o posicionamento em defesa de causas era mais importante.

O que mudou é que as pessoas têm mais acesso à informação. Antes ela vinha de forma centralizada e limitada. Hoje, por mais que haja distorções, temos algo mais distribuído e acessível.

Em sua opinião, por que o brasileiro começou a se atentar mais em relação a isso?

Tudo tem a ver com o acesso à informação, tecnologias, advento da internet e democratização de dispositivos como os celulares. Tem ligação com o aumento da polarização, que é um fenômeno que ocorreu nos últimos anos. Com isso, as pessoas estão mais atentas, não só ao que as marcas dizem, mas ao que elas fazem.

Um alinhamento entre discurso e prática é absolutamente necessário para que as empresas tenham sucesso no mercado e evitem problemas. Temos a cultura do cancelamento, por exemplo, onde se tem um ambiente muito mais agressivo de resposta dos consumidores em relação ao que determinada marca faz. Todos estão mais vigilantes e a informação se dissemina de maneira acelerada.

Você acredita que a pandemia foi um divisor de águas para essa questão? As empresas se viram obrigadas a se posicionar?

Foi mais um catalisador. Pode ser um divisor de águas em um ponto de vista em que todas as pessoas estão, neste momento, em uma condição de confinamento, olhando apenas as telas e tendo muito mais atenção ao que as marcas e empresas têm feito.

Qual é a importância das marcas e/ou empresas estarem mais ligadas aos valores defendidos por elas?

A marca deve alinhar discurso e prática, compreender que todos estão mais atentos e que os casos negativos são disseminados com velocidade. Por isso, é importante tentar evitar esse tipo de problema, afinal, quando isso ocorre pode demonstrar que algo está desalinhado dentro da corporação.

A empresa tem que ter um posicionamento claro em questões morais e éticas, sociais, culturais e, inclusive, políticas para que não se tenha um posicionamento partidário, e sim conceitos mais amplos que devem ser defendidos, como liberdade, igualdade, fraternidade e democracia

As marcas exercem influência em seus clientes tal qual um influenciador digital, por exemplo?

Elas exercem influência em maior ou menor medida, dependendo de como escolhem conversar com as pessoas. Hoje, existem muito mais oportunidades de contato entre marcas e consumidores. Consequentemente, mais oportunidades de estabelecer uma comunicação de mão dupla, entre consumidores, clientes, parceiros, colaboradores e marcas.

Essa rede de influência é grande e delicada. Tem que se tomar bastante cuidado para que não haja distorções e erros que podem crescer e gerar uma crise. No início da pandemia, por exemplo, tivemos marcas que se posicionaram por princípio, enquanto teve gestores que eram porta-vozes de grandes empresas que expressaram opinião no calor do momento, de maneira partidária e acabaram tomando decisões equivocadas que custaram muito caro para suas companhias.

Quais podem ser as consequências para as marcas que não estão atentas a realidade vivenciada?

Quando um gestor de grande empresa decide, no início da pandemia, dizer que não tem problema morrer 7 mil pessoas como aconteceu no Brasil, isso se transforma em um grande conflito de relações públicas, além de uma crise enorme para empresa, o que acaba culminando em centenas de funcionários sendo mandados embora posteriormente. Isso não é bom para a marca, nem para o gestor e muito menos para os colaboradores que são demitidos e os que permanecem no trabalho.

É importante que as empresas estejam atentas a isso e prestem atenção ao fato de que o cenário mudou e é preciso estar prudente aos sinais fracos e fortes, ou seja, entender o momento, ler o ambiente e reagir de acordo com ele. Tudo isso, claro, baseado em princípios, valores, em conceitos fundamentais e alinhados com o propósito, com os grandes objetivos e a visão da marca, de curto e médio prazo.

As empresas que prestam atenção nisso colhem frutos e conseguem se reconectar com as pessoas, aproximar e fortalecer relacionamentos, repensar os negócios e construir novas propostas de valor. É necessário procurar uma convergência, as marcas têm que perceber isso e usar em favor delas e da população.