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Abstinência sexual contra gravidez precoce tem pouco fundamento científico para ser imposta à sociedade

No começo de fevereiro, durante a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, o governo federal lançou uma campanha para incentivar a abstinência sexual como uma das formas de se evitar a gravidez precoce. Com o mote “Tudo tem seu tempo: adolescência primeiro, gravidez depois”, a ação é uma parceria entre os ministérios da Saúde e da Mulher, Saúde e Direitos Humanos e custará aos cofres públicos R$ 3,5 milhões.

Segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 930 adolescentes e jovens dão à luz todos os dias, ou seja, são mais de 434,5 mil mães adolescentes por ano. O Brasil registra a maior taxa entre os países da América Latina e Caribe, chegando a 68,4 nascidos vivos para cada mil adolescentes e jovens.

Para compreender se a campanha tem potencial para reduzir esses números, o Edição do Brasil conversou com Camilla Pinheiro Barros (foto). Ela é ginecologista e obstetrícia, coordenou o programa de Saúde da Mulher por 5 anos e, atualmente, está à frente do Centro de Parto Humanizado no Hospital Municipal do Estado de São Paulo.

Existe algum governo que implementou a abstinência sexual como política de Estado para combater as DST’s ou gravidez na adolescência? 

Sim, os Estados Unidos adotaram a abstinência sexual como medida inicial de governo em 2002 e, atualmente, existem outros programas não nacionais em vários estados americanos.

Quais foram os resultados?

Em comunidades pequena existem projetos com bons resultados. Grande parte desses programas são divulgados com resposta positiva para o atraso do início da vida sexual e, portanto, menos gestações na adolescência.

Esse projeto tem fundamento científico? 

Sim, alguns projetos foram feitos com resultados iniciais satisfatórios.  Porém, houve uma revisão de um estudo recente, no qual avaliou-se o esforço para reduzir a gravidez não intencional e as doenças sexualmente transmissíveis (DST’s) em adolescentes, tanto a abstinência quanto os programas abrangentes de educação sobre sexo e DST’s foram oferecidos.

Com base em critérios especificados, o autor pesquisou e revisou 56 estudos que avaliaram o impacto de tais currículos (9 de abstinência sexual e 48 de políticas mais abrangentes) no comportamento sexual dos adolescentes. Os resultados indicaram que a maioria dos programas de abstinência não atrasou o início do sexo e apenas 3 tiveram efeitos positivos significativos em qualquer comportamento sexual.

Por outro lado, cerca de dois terços das políticas mais abrangentes mostraram fortes evidências de que afetaram positivamente o comportamento sexual dos jovens, incluindo o atraso no início do sexo e o aumento do uso de preservativos e contraceptivos. Com base nessa revisão, a abstinência sexual tem pouca evidência para justificar sua replicação generalizada; em contrapartida, fortes indícios sugerem que alguns programas abrangentes devem ser amplamente divulgados.

Ensinar a usar e distribuir camisinhas incentiva os jovens a iniciarem a vida sexual precocemente? 

Não, ensinar sobre contracepção não é associado ao aumento do risco de atividade sexual adolescente ou DST’s. As adolescentes que receberam educação sexual abrangente tiveram um risco menor de gravidez do que as que tiveram educação sexual apenas com abstinência ou nenhuma orientação. Ou seja, são necessários uma educação sexual de qualidade e suporte familiar.

A Defensoria Pública da União recomendou ao Ministério da Saúde para lançar essa campanha. Qual é a sua opinião sobre o assunto? O órgão fez bem ao fazer essa recomendação?  

Não existe certo e errado neste ponto, dependendo da idade, adiar o início da vida sexual pode ser a melhor opção, porém vejo a educação sexual como forma mais eficaz. Acredito que educar e fornecer as informações necessárias são os melhores caminhos para orientar os jovens.