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“Municípios não vão morrer por causa de capricho de economistas”, dispara presidente da AMM

Mais de 200 prefeitos de Minas Gerais se reuniram contra a proposta de extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Na ocasião, o Edição do Brasil conversou com o presidente da Associação Mineira dos Municípios (AMM) e prefeito de Moema, Julvan Lacerda (MDB), que criticou fortemente o projeto do governo federal.

Na prática, o que a AMM espera com a mobilização dos prefeitos de municípios que podem ser extintos?

Esperamos que o governo acorde. Eles estão com uma proposta feita em laboratório, por quem não conhece a realidade de quem vive aqui, e querem empurrar goela abaixo dos municípios uma proposta que não é a solução dos problemas. Nós concordamos e reconhecemos que é preciso que haja ajustes, precisamos de uma reforma, de menos burocracia e mais eficiência, mas não é extinguindo. Quer dizer que por que uma pessoa está desempregada, você vai mandar matar ela? É isso que estão fazendo. Porque um município não gera uma receita própria e não é autossuficiente, ele será extinto. E mais, é preciso mostrar para o governo que é o contrário, não é ele que dá dinheiro para o município, são as cidades que dão dinheiro para o governo federal, pois é lá que o povo vive, as riquezas são produzidas nos municípios. Somos nós que damos dinheiro para manter aquele elefante branco que existe em Brasília, e o dinheiro que os cidadãos dão para eles é perdido na corrupção, na burocracia e não volta em serviços prestados à população. Muito diferente dos municípios, porque o dinheiro que é produzido nessas cidades volta em forma de serviços prestados.

Não é um exagero que cidades com menos de 5 mil habitantes tenham estrutura de vereadores, secretários, funcionalismo público, prefeitos, etc?

Por isso achamos que é preciso um ajuste. Para fazer justiça é necessário tratar desigualmente os desiguais. O nosso país tem uma dimensão territorial extensa com diversidades socioeconômicas, geométricas, culturais e climáticas muito diferentes e que existe um arcabouço pesado que engessa o mesmo padrão burocrático para Belo Horizonte, que tem 3 milhões de habitantes com estrutura de procuradoria, de contabilidade, consultoria toda montada, para aplicar numa cidade de 5 mil habitantes. Precisamos adaptar isso. Uma cidade de 5 mil habitantes pode ser menos pesada, com uma máquina burocrática menor.

De que maneira isso poderia ser feito?

Pode-se diminuir o número de exigências. Por que um município tão pequeno precisa atender a tantas exigências de fiscalização, conselhos, prestação de contas como um grande? Lá, no interior, as coisas acontecem mais a olho nu para o cidadão. Tem muita coisa que é feita num município pequeno só para cumprir formalidade legal e isso custa dinheiro.  É o custo do servidor que vai arrumar aquela papelada, aquele que vai publicar cumprindo os procedimentos, em que o processo é mais importante que o resultado. Precisamos de uma política de administração por resultado e não por procedimento. É isso que encarece a máquina pública, não é o município existir. Concordo que é preciso um critério mais rigoroso para criar novos municípios daqui para frente, mas os que já nasceram é preciso dar vida a eles e sustentá-los. Quando o pai bota muitos filhos no mundo, se eles estão dando muito trabalho, ele começa a matar os filhos? Não, precisa dar um jeito de não ter mais.

Os prefeitos que apoiaram a eleição de Bolsonaro apoiam essa decisão? 

Como tudo, há uma diversidade. Existem os dois posicionamentos, mas a PEC 188/2019 era uma grande expectativa dos municípios porque sabemos que é preciso reorganizar o estado. Então, ele [Bolsonaro] atendeu uma expectativa nossa de muito tempo de organizar a federação, mas junto, colocou esse espinho no meio. Acredito que foi colocado só para desviar o foco de outra coisa, porque não tem cabimento esse tipo de atitude. O próprio presidente da República, logo que chegou ao Senado, deu uma declaração dizendo que não vai ser bem do jeito que está na PEC, então por que mandou? Nós apoiamos o governo federal, o estadual, precisamos reestruturar os dois, mas não vai ser aniquilando os entes federados que isso vai se resolver. Até porque em números, isso não significa quase nada. Garanto que têm municípios com menos de 3 mil habitantes muito mais bem administrados que o próprio governo federal e estadual.

Umas condições da PEC/188 é que o município tenha arrecadação própria de, no mínimo, 10% do que gasta. Isso é viável?

É viável, mas não quer dizer que só a arrecadação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), que são os tributos urbanos, são os que pertencem aos municípios. Quantas cidades produzem diversas riquezas nas áreas rurais e aquilo é processado em outro município e que gera Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS)? Mas, nesse cálculo não conta isso. O critério é que precisa ser mais justo de aferição dessa arrecadação própria.

Seria mais uma cortina de fumaça do governo federal?

Desde o primeiro momento, acredito que sim. Não creio que isso [a extinção dos municípios] aconteça porque não tem fundamento. Sobre o critério de municípios com menos de 5 mil habitantes e com 10% de receita própria, o que é essa receita própria? Quando se dividiu a federação se deu o direito do município arrecadar e ficar diretamente com o dinheiro de 3 impostos: IPTU, ISS E ITBI. O ICMS, que é o maior, é arrecadado pelo estado, mas ele é nosso, é produzido dentro da cidade. O que é a União se não uma ficção jurídica, em que se concentram toda a burocracia e a maior parte da corrupção do país? No município, a eficiência do dinheiro público é muito maior que na União, porque prestamos serviços efetivamente. Todos esses municípios pequenos têm escolas e postos de saúde abertos, coleta de tratamento de esgoto quase universalizado. E aí vem o governo falar que nós é que somos ineficientes, ele que é e que dê um jeito de se ajeitar, ao invés de desviar o foco.

Qual a agenda AMM daqui para frente?

Nossa agenda é de combate, como temos feito ultimamente, porque precisamos defender os municípios. Existe a União, que concentra muito dinheiro e a caneta na mão e por isso é mais poderosa, o Estado que tem alguns recursos e poder sobre nós, e o município que é o polo mais fraco da federação. A AMM tem que defender o interesse dos pequenos. Nossa agenda é de defesa, nós vamos para Brasília, não vamos admitir que isso aconteça. No dia 3 de dezembro teremos um movimento de todos os prefeitos do Brasil, em Brasília, coordenado pela Confederação Nacional do Municípios (CNM), para mostrar essa realidade, porque, muitas vezes, quem está lá vivendo nos palácios acarpetados numa realidade ilusória e fictícia de Brasília, lidando com bilhões, esquece que aqui lidamos é com R$ 1. Vamos mostrar essa realidade e chamá-los para o desafio para que provem que somos nós o problema. Os municípios não vão morrer por causa de um capricho de economistas criados em apartamentos que não conhecem a realidade do chão da fábrica.

Para AMM, quem serão os principais prejudicados? 

O povo. Mais uma vez a corda vai arrebentar no cidadão, porque quando você tira aquela estrutura que está montada ali, quem vive naquela comunidade, vai ficar isolado, tanto territorialmente quanto na presença do Estado que, na maioria das cidades, só se dá pelas prefeituras. O ente federado Estado e União não estão presentes lá, quem está é o município e vai tirar ele também?