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Para cientista político, conversas entre Moro e Dallagnol é “assalto ao Judiciário”

A operação Lava Jato, iniciada em 2014, é a maior investigação de combate à corrupção da história do país. Até agora, foram 61 fases cumprindo mandados de busca e a apreensão, prisões preventivas, conduções coercitivas e prisões temporárias de famosas figuras públicas. Além de bastante ênfase para os juízes e procuradores da operação que, para grande parte da opinião pública, passaram a ser vistos como heróis. O principal deles é representado pelo ex-juiz e atual ministro da Justiça Sergio Moro que, para muitos, quebrou um ciclo de privilégios de políticos. Entretanto, há duas semanas, o site The Intercept Brasil vem divulgando mensagens que mostram discussões internas de agentes da Lava Jato. São arquivos compostos por mensagens privadas, cedidos por uma fonte anônima, em que se lê Deltan Dallagnol, coordenador da operação, e Moro combinando estratégias para o andamento do caso. O Edição do Brasil conversou com o sociólogo e cientista político Rudá Ricci sobre o conteúdo das mensagens divulgadas até o momento.

Como você avalia o conteúdo das mensagens reveladas pelo site The Intercept?
Um crime cometido por um juiz. Premeditado e tipificado no Código Penal, pelo artigo 254, inciso IV, em que diz que um juiz torna-se suspeito se tiver aconselhado qualquer uma das partes. No caso, ele instruiu os promotores e, inclusive, insuflou o Ministério Público a induzir a imprensa a atacar a defesa do acusado. Em outras palavras, usou do Estado e da investidura pública para partidarizar um julgamento sem as menores garantias de defesa do acusado. Assim, inverteu a lógica do Estado de Direito, na qual o acusado é inocente antes do julgamento final, garantida a defesa em várias esferas do Judiciário.

As mensagens trocadas são problemáticas? Por quê?
Profundamente graves. Trata-se de um assalto ao Judiciário por um agrupamento político-ideológico que procurou subjugar a justiça brasileira. Algo que se aproxima da lógica totalitária, na qual o Estado passa a se confundir com o grupo que o domina, perseguindo quem pensar ou professar ideologia ou ideário distinto. Um crime contra a democracia e o Estado de Direito.

De todo o conteúdo, o que você destaca como o mais grave?
A formação do conluio e o ataque impiedoso e imoral contra um acusado. Uma ilustração é a sugestão do ex-procurador Carlos Fernando Dos Santos Lima, para atacar a “jugular de Lula”, usando para tanto de sua ex-esposa, já falecida, Marisa Letícia. Uma orientação impiedosa e incivilizada, algo que não condiz com o processo civilizatório.

Na sua análise, esse episódio chega a abalar a aprovação popular sobre à operação?
Evidentemente que sim. Pesquisa do Atlas Político realizada nos dois dias seguintes ao vazamento das conversas, já revelava queda de popularidade do ministro Sergio Moro em virtude do caso. Com a promessa de publicação de outras mensagens ainda mais comprometedoras, a maioria da população brasileira perceberá que se tratou de uma fraude. Ficarão apenas os mais fanatizados. A revista Fórum publicou que senadores receberam, em seus gabinetes, um relatório feito por um grupo de especialistas que monitoram as redes sociais sobre a imagem do promotor do Ministério Público Federal (MPF) Deltan Dallagnol. O documento mostrava que, desde que foram revelados os diálogos, a imagem do coordenador da força tarefa da Lava Jato só piora. O estudo aponta que a cada 100 mensagens endereçadas a Dallagnol, pelo Twitter, apenas cinco mostram apoio irrestrito a ele. Todas as outras têm tom crítico e de ataques. Cenário bem diferente do que ele tinha no início do ano. Em janeiro, de 100 mensagens 73 eram positivas ao seu trabalho. Ou seja, é um indicativo.

 

O presidente, ao comentar a situação de Moro, disse que “só confia 100% em seu pai e sua mãe”. Essa cautela é parte de uma estratégia política?
Ele sabe do risco do que popularmente se denomina de “abraço de afogado”. Sua popularidade está em baixa, ele vem sendo derrotado sucessivamente no Congresso Nacional e nas decisões do Superior Tribunal Federal. Uma de suas pautas principais seria o combate à corrupção e o uso do Estado pelo Partido dos Trabalhadores. Ora, se ficar comprovado o uso do Estado por Moro, em ação criminosa, contra o que imaginava ser facções partidárias opostas ao seu pensamento, o pior cenário seria envolver sua imagem e a do governo com este crime. Não restaria muito mais como defender a honestidade de sua agenda de campanha.

Politicamente, essas revelações desgastam o governo Bolsonaro?
O desgaste crescente do governo federal não parece relacionado, até o momento, a este caso. Os personagens envolvidos são Moro e o MPF, em especial, os procuradores ligados diretamente na Operação Lava Jato. Ocorre que Moro é ministro da Justiça e, na medida em que as provas contra ele forem se tornando robustas e envolver outras ações ilegais, se não for demitido, maculará a imagem do governo como cúmplice de atos ilegais.

Moro é o ministro mais popular do governo atual. Perante a opinião pública, esse episódio o desgasta ou o fortalece?
Uma pesquisa realizada pelo Atlas Político já revela desgaste. Logo após a primeira mensagem vazada, o levantamento mostrava que 73,4% dos entrevistados tomaram conhecimento das conversas entre Moro e Deltan Dallagnol. Desses, 58% reconhecem que a prática de um juiz aconselhar e manter conversas privadas com membros da acusação ou defesa de um réu, sem o conhecimento da parte adversa, é incorreta. Somente 23,4% consideram esse comportamento correto.

Em relação ao ex-presidente Lula, sua defesa ganha força?
No dia 25, o STF julgará a suspeição do então juiz Moro pedida pela defesa de Lula. Será um bom termômetro para avaliarmos como o impacto das matérias do Intercept terá atingido a convicção dos ministros. O que temos é o recuo de muitos críticos a Lula, o início de defecções em personalidades que o acusavam e começam a se dizer arrependidos nas redes sociais, como o caso do ator global Thiago Lacerda, e a euforia que tomou conta dos apoiadores de Lula, são indícios parciais, mas sugerem um ânimo distinto daquele que ocorreu desde 2015.