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Pilote como uma mulher

Imagine ser capaz de fazer uma das manobras mais difíceis em um salvamento de helicóptero, ocupar um alto cargo na política ou ganhar 34 campeonatos de poker. Muito provavelmente vieram a sua mente nomes masculinos, mas todos esses feitos foram realizados por mulheres.

Falta pouco para celebrarmos o Dia Internacional da Mulher e o Edição do Brasil quer destacar, por meio da série #OndeElaQuiser, aquelas que quebram barreiras e abrem caminhos em uma sociedade que divide algumas profissões por gênero e duvida da capacidade feminina em desempenhar funções taxadas como de homens.

Elas são mestre de obras, mecânicas, motoristas de ônibus, frentistas, engenheiras, jogadoras de futebol, profissionais de TI etc e vêm provando que lugar de mulher é onde ela quiser. Uma delas é a major Karla Lessa, 38, nossa primeira entrevistada de uma série de quatro reportagens.

Karla é pilota do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais há 19 anos e ganhou destaque nacional após o resgate feito durante o rompimento de uma barragem da Vale no Córrego do Feijão, Brumadinho. Na ocasião, ela parou o helicóptero no ar para o salvamento de uma pessoa. Essa manobra é considerada por especialistas como uma das mais difíceis.

Para se ter uma ideia de como a carreira escolhida é ocupada quase que exclusivamente por homens, no Brasil, apenas 1,4% dos pilotos são mulheres. Além disso, a inclusão do sexo feminino nas corporações é recente: no ano passado, o Corpo de Bombeiros completou 25 anos da primeira turma formada por elas. Isso só aconteceu graças a lei nº 11.099, em 18 de maio de 1993, que proporcionou a 80 mulheres o ingresso no Curso de Formação de Soldados.

Devido a isso, a major comenta que, quando criança, nunca pensou em ocupar a posição profissional onde está. “Não passava pela minha cabeça ser pilota. Eu queria ser professora, cientista, talvez médica e até advogada, mas pilota não. Ainda é novidade mulher ocupar altos postos na corporação e muitas coisas ainda são tratadas como novidade. Mas, com tempo, isso tende a mudar. Há muitas mulheres competentes que ainda irão se destacar no Bombeiro e, hoje, por sinal, várias já fazem isso”.

O interesse de Karla pela carreira militar causou certo estranhamento em sua família, mas devido aos exemplos femininos com quem convivia dentro de casa, conseguiu vencer as desconfianças. “Meu pai, no primeiro momento, me aconselhou dizendo que ser bombeiro não era coisa para mulher, mas nunca apresentou dificuldades ou empecilho para me apoiar quando precisei. As mulheres da família são muito geniosas, guerreiras e possuem personalidades fortes. Muitas eram arrimo de família. Por exemplo, minha avó por parte de mãe era extremamente corajosa, tinha muita energia e disposição para aventuras. Acho que esses exemplos e a estrutura familiar em que fui criada tornou a minha escolha algo natural”.

A vocação para comandar helicóptero surgiu no curso de formação do Corpo de Bombeiros, quando teve contato com a aeronave. “Tive uma boa sensação quando voei e, para quem gosta, isso vicia. Além disso, o que mais me motiva também é que o piloto consegue permanecer no atendimento das ocorrências por mais tempo do que em relação aos demais postos. No Corpo de Bombeiros, à medida que você vai atingindo cargos mais elevados, a tendência é ficar mais voltado para os serviços administrativos. A aviação é uma exceção, pois consigo trabalhar na administração, mas também no atendimento à população”.

Para conseguir chegar à excelência e dominar a manobra que a fez conhecida no Brasil todo, Karla precisou de 9 anos. “O caminho até a posição e função que cheguei exigiu muito estudo, treinamento, trabalho e dedicação”.

Apesar das mudanças já alcançadas, as mulheres ainda enfrentam o machismo. Ela ressalta que a corporação possui legislação para não reproduzir essas distorções. “Por sua vez, esse grupo é uma amostra da sociedade e sofre influência do contexto histórico-social em que está inserido. Por isso, já houve casos em que ouvi comentários de colegas com fundo preconceituoso relacionado à mulher”.

Dia inesquecível

A major relembra que o dia da queda da barragem era uma manhã tranquila até o momento da ligação que solicitou o atendimento. “Saímos daqui sabendo apenas que era um rompimento, mas não fazíamos ideia do que estava acontecendo. Só tomamos noção do que era quando chegamos ao local e vimos o desespero das pessoas”.

Os trabalhos da corporação ainda continua na área e não há previsão de quando irá terminar. “Essa é a maior operação do Corpo de Bombeiros no Estado, então também é a maior que estive presente. Em Mariana, as buscas duraram 2 meses e lá foram 19 mortos. Agora estamos falando em mais de 100 desaparecidos”.

Questionada sobre o que achou da sua fama repentina, Karla afirma que foi um momento de sorte. “Estou acostumada a fazer vários resgates aéreos, então isso é comum pra mim. Naquele dia, houve várias coincidências, como a gravidade do acidente e ter uma emissora de televisão filmando ao vivo e em um ângulo excelente. Até eu chegar em casa, não sabia do tamanho da repercussão das imagens, quem me informou isso foi o meu marido e depois recebi várias mensagens”.

Inspiração

Karla é a segunda mulher que comanda um helicóptero no Corpo de Bombeiros, mas devido ao destaque que teve na imprensa nacional, ela é uma inspiração para as crianças. “Várias sobrinhas vieram falar comigo que querem entrar para o Corpo de Bombeiros como eu fiz. Acho que a exposição foi importante para mostrar para meninas e meninos que há várias possibilidades de carreira dentro da corporação e, acima de tudo, mostrar o real motivo do nosso trabalho: salvar vidas”, finaliza.