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Desigualdade social ainda é um problema persistente no Brasil

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, ocupando a 10ª posição no Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da Organização das Nações Unidas. E isso se manifesta das mais diversas formas, porém a desigualdade na distribuição de renda é estarrecedora. Para se ter uma ideia, os 5% mais ricos do país recebem, por mês, o mesmo que os demais 95% dos mais pobres juntos. Buscando entender esse desequilíbrio social, conversamos com Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam Brasil, organização sem fins lucrativos que faz parte de um movimento global contra a pobreza, a desigualdade e a injustiça.

Por que existe tanta desigualdade social no Brasil?

Nós temos uma desigualdade estrutural histórica que vem de séculos. O país teve quase 400 anos de escravidão, governos voltados à extração, não se investia em educação, tanto que nossas universidades foram praticamente as últimas a serem criadas na América Latina. Isso tudo explica as desigualdades que temos atualmente e vamos ter por um bom tempo.

Outro aspecto é que depois que o Brasil virou uma República, foram tomadas decisões que, ao invés de corrigir, ampliaram ou mantiveram as desigualdades. Por exemplo, nunca houve uma inserção da população negra e o país ainda é racista e excludente. Historicamente, não foi possível superar esse problema, pois não teve uma política pública séria para isso. Nós também sempre tivemos um sistema tributário muito benevolente com aqueles que são ricos. Todas as leis tributárias, ao longo do tempo, foram feitas no sentido de manter privilégios para quem já está no topo.

Até muito pouco tempo, não tínhamos um estado de bem-estar social, ou seja, todo mundo tinha que se virar para conseguir educação, saúde, assistência e isso é um fator de desigualdade muito pesado, pois se o governo não oferece esses serviços adequadamente para quem é muito pobre, isso reduz a renda familiar e aumenta o desequilíbrio. A Constituição Federal de 1988 foi o primeiro passo na história do país no sentido de redução da desigualdade. Nós só não temos um panorama melhor, hoje em dia, porque começamos recentemente o processo de inclusão.

O brasileiro tem consciência dessa disparidade?

Ele sabe que existe uma desigualdade, mas talvez não consiga calcular o tamanho real. Nós fizemos uma pesquisa com o Datafolha e concluímos que 9 em cada 10 brasileiros entendem que o país é desigual. Quando perguntamos o quanto eles imaginam que seria necessário ganhar para fazer parte do topo da pirâmide dos 10% mais ricos, todos falam uma quantia muito mais alta do que a real. Eles se surpreendem quando ficam sabendo que o valor fica ente R$ 3 e R$ 5 mil.

Quem mais sofre com o problema?

A base da pirâmide social no Brasil é a população negra, em particular a mulher negra. Existem diversos fatores para esse fato, como a renda, exclusão sistemática histórica, preterição no mercado de trabalho, sendo o racismo uma das explicações.

Outra razão é o acesso ao estudo. Existem pesquisas de desempenho educacional que identificam que filhos de pais analfabetos têm mais chances de continuarem analfabetos. E a maioria da população negra era analfabeta até pouco tempo. Esse é um processo lento e que deveria ser acelerado.

E tem um problema na forma patriarcal na qual a sociedade foi montada. Em via de regra, o trabalho reprodutivo cabe à mulher, ela é quem tem a licença maternidade e fica em casa cuidado do lar e do bebê. Isso faz com que a mulher se limite em sua capacidade de gerar renda. A mistura desses fatores deixa a sociedade como está. Nós precisamos lutar contra o que já identificamos como causas das desigualdades permanentes.

Quais os reflexos da desigualdade?

A desigualdade é inaceitável e indesejável, pois cria uma sociedade separatista. Ela também é um fator de fomento da violência. Existem vários estudos que apontam relações entre pobreza, rápida urbanização, famílias desestruturadas e violência. E quando a disparidade é muito profunda impede a superação desses outros problemas que estão por trás da violência.

Nós não podemos lidar com a desigualdade como se o oposto dela fosse a completa igualdade. O termo correto é a equidade, que é a oferta de oportunidades iguais para que as pessoas possam desenvolver suas capacidades da melhor forma que puderem. E nós estamos bem longe de conseguir atingir isso.

Existe alguma ação feita em outros países que pode servir de modelo para o Brasil?

Existem vários modelos que podemos nos espelhar para mudar as políticas públicas brasileiras. O primeiro deles é o sistema tributário. A gente joga todo o peso dos tributos nas costas dos mais pobres, isso porque a maior parte está embutida nos produtos e serviços como alimentos, medicamentos, eletrônicos, transporte e gasolina. O valor é o mesmo, independente de quem está consumindo. Com isso, os mais pobres pagam mais, proporcionalmente em relação a sua renda, do que os mais ricos.

Olhando para países desenvolvidos e capitalistas, os que fazem parte da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tem um peso tributário muito mais voltado em renda e patrimônio. Esse é o modelo que o Brasil deveria adotar para ser mais justo.

Outro exemplo que podemos seguir é a eficiência e progressividade na área social. O Brasil tem dinheiro suficiente em caixa e o que precisa ser feito é melhorar a gestão, com o aumento da transparência e fazer chegar primeiro em quem mais precisa.

Qual seria o papel do governo para melhorar esse quadro?

O governo precisa desempenhar diversos papéis para vencer essa questão. Um deles é manter um balanço de contas públicas em uma equação que inclua primeiro as pessoas mais pobres. As políticas que visam controlar gastos por meio do corte de direitos não dão certo, pois vão desacelerar o processo histórico de emancipação do país.

Entre outras ações importantes está o de mudar o sistema tributário no sentido de reduzir a carga de impostos dos mais pobres, implementar políticas mais fortes de combate ao racismo, fazer uma revisão na reforma trabalhista e investir nas universidades públicas para quem realmente precisa, pois hoje em dia estão ocupadas por quem tem condições de pagar.

A longo prazo, o governo precisa manter políticas educacionais inclusivas. O país conseguiu reduzir bastante a quantidade de crianças fora da escola e o próximo passo é fazê-las completar o ciclo de estudo e melhorar a qualidade da educação básica. Esse é um dos grandes desafios do governo, sobretudo na matemática e língua portuguesa.