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“Mandado de despejo aos Mandarins do Mundo

Fora tu reles esnobe plebeu
E fora tu, imperialistas das sucatas,
charlatão da sinceridade e tu da juba socialista
e tu qualquer outro.
Ultimatum a todos eles
e a todos que sejam como eles, todos.
Monte de tijolos com pretensão a casa,
inútil luxo, megalomania triunfante
e tu Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
que nem te queria descobrir.
Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular,
que confundis tudo!
Vós anarquistas deveras sinceros
socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
para quererem deixar de trabalhar.
Sim, todos vós que representais o mundo,
homens altos,
passai por baixo do meu desprezo.
Passai aristocratas de tanga de ouro,
passai frouxos.
Passai radicais do pouco!
Quem acredita neles?
Mandem tudo isso para casa descascar batatas simbólicas
fechem-me isso tudo a chave e deitem a chave fora.
Sufoco de ter somente isso à minha volta.
Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo.
Nenhuma ideia grande,
nenhuma corrente política que soe a uma ideia grão!
E o mundo quer a inteligência nova, a sensibilidade nova.
O mundo tem sede de que se crie.
O que está aí está a apodrecer a vida,
quando muito, é estrume para o futuro.
O que aí está não pode durar porque não é nada.
Eu, da raça dos navegadores, afirmo que não pode durar!
Eu, da raça dos descobridores, desprezo
o que seja menos que descobrir um novo mundo.
Proclamo isso bem alto, braços erguidos, fitando o Atlântico
e saudando abstratamente o infinito”.

Transcrição do texto escrito por Álvaro de Campos, em 1917 (um dos apelidos de Fernando Pessoa).
Nada mais atual.

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