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Cerol e linha chilena continuam fazendo vítimas em Belo Horizonte

Uma brincadeira perigosa e muito comum entre as crianças e adolescentes: soltar pipa ou papagaio utilizando linhas cortantes. A prática é proibida por lei, mas ainda há quem se divirta sem se importar com as consequências. Para se ter uma ideia, somente este ano foram atendidas 23 pessoas no Hospital de Pronto Socorro João XXIII, vítimas de acidentes com cerol ou linha chilena. No mês passado, um motociclista que fazia entrega de gás morreu depois de ser atingido no pescoço. Também em junho, uma linha chilena danificou o helicóptero do Corpo de Bombeiros.

E nesta época de férias escolares, marcada também pela incidência de ventos fortes, o risco de acidentes são maiores. Preocupados com o problema e buscando uma solução conjunta com representantes dos mais diversos setores, a Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção (SMSP), retomou a campanha “Cerol Mata” para combater o uso de cerol e da linha chilena na capital. O objetivo é alertar a todos sobre o perigo que esses materiais representam, podendo resultar em ferimentos graves e até mesmo em mortes.

De acordo com informações da assessoria de comunicação da SMSP, a Guarda Municipal tem agido para conter o uso dos materiais cortantes. “Por meio das patrulhas preventivas para apreensão de material, além de palestras, blitz educativa, panfletagem e distribuição de antenas para motociclistas. No dia 17 de julho, a Patrulha Escolar da Guarda Municipal realizou o Dia de Brincar e levou crianças de uma escola municipal até a Praça do Papa. No local, foram ensinadas a empinar pipas de forma segura, longe da fiação elétrica e sem linhas cortantes”, diz.

Ainda segundo a assessoria, apenas em junho deste ano foram apreendidas mais de 70 latas envoltas com cerol ou linha chilena. “Durante as rondas preventivas apreendemos o material com crianças, jovens e adultos. Em alguns casos, nota-se a participação de pais e filhos utilizando linhas cortantes. A gente orienta as pessoas que são pegas, sempre buscando a conscientização. O canal de denúncia da Guarda Municipal é o telefone 153”.

Conforme explica o tenente do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais Pedro Aihara, o cerol é uma mistura caseira de cola com vidro moído. “As pessoas pegam geralmente uma lâmpada, trituram para fazer um pó e juntam com cola. Depois da mistura pronta passam na linha para ficar com um aspecto cortante. Já a linha chilena tem uma fabricação industrial e não se consegue fazer em casa. É uma combinação de pó de quartzo com óxido de alumínio. Essa linha é cerca de seis vezes mais potente que o cerol”.

Ele salienta que soltar pipa ou papagaio com linha cortante traz diversos prejuízos. “Na rede elétrica pode romper fios e cabos de telefonia, deixando as pessoas sem acesso a esses serviços. Mas o maior problema é a questão das lesões, principalmente em motociclistas. Na maior parte das ocorrências a linha atinge a altura do pescoço, o que agrava a situação, pois a região é vascularizada. Quando não há óbito, a pessoa pode ficar com algum tipo de sequela por toda vida”.

E foi justamente com uma linha cortante que houve um incidente com o helicóptero do Corpo de Bombeiros no mês passado. A aeronave “Arcanjo 4”, um dos equipamentos mais modernos de transporte aeromédico do país, teve duas hastes de comando danificadas. “Em decorrência disso, a aeronave vai precisar ficar vários dias indisponível, sem poder atender a sociedade”.

Soltar pipa e papagaio é uma diversão, mas deve ser feita sem a utilização da linha cortante. “Quem utiliza esse material pode ser responsável diretamente pela morte de uma pessoa. Infelizmente está ligado a uma questão cultural, passada de pai para filho. Nesse aspecto, alerto que a atuação dos pais é muito importante, uma vez que não devem incentivar o uso de cerol ou linha chilena. Eles devem fiscalizar que tipo de linha o filho usa quando vai soltar papagaio para que essa prática possa ser coibida”, afirma o tenente do Corpo de Bombeiros.

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Motociclistas e Ciclistas de Minas Gerais (Sindimotocicli-MG), Rogério Lara, durante os meses de janeiro, junho e julho, os profissionais redobram o cuidado para evitar acidentes. “Aqueles que usam a moto como ferramenta de trabalho já estão acostumados com os riscos e obstáculos do dia a dia. Para não ser atingido pela linha, usam antenas no guidão. A peça evita que sejam atingidos no pescoço. Eu acredito que falta mais fiscalização, pois não vejo as pessoas sendo presas por usar linhas cortantes”, reclama.

Lei mais severa
Este ano, a Lei 7.189 que proíbe a comercialização e o uso do cerol em BH completou 22 anos. A legislação recebeu reforço, em 2003, com a publicação da Lei 8.563. Já em 2006, a Lei 9.137 instituiu, na capital mineira, a última semana do mês de junho como a Semana de Conscientização de Combate ao Cerol, enfatizando que o uso de linhas cortantes configura em crime. Também há a Lei Estadual 14.349 de 2002, que dispõe sobre a proibição do uso de pipas com linha cortante. O infrator pode pagar multa que varia de R$ 100 a R$ 1.500, podendo responder criminalmente.

Recentemente, foi aprovado na Câmara Municipal de Belo Horizonte o Projeto de Lei (PL 313/17), que torna ainda mais ampla as punições e vale para o armazenamento, comercialização, distribuição e manuseio de linha chilena, linha com cerol, ou qualquer outra substância cortante. A multa é de R$ 2 mil para quem for pego soltando pipa usando esse tipo de material. Quem armazenar ou vender os produtos deve ser multado em R$ 4 mil. O valor dobra em caso de reincidência.

Acidente com linha chilena
A técnica de enfermagem Jeiele Lorena de Alvarenga, há cerca de duas semanas, passou por momentos de horror com seu cachorro em um acidente com linha chilena. “Como moro em apartamento, desci com ele para passear na área principal do edifício e fui na padaria que fica próxima. Quando retornei, percebi que havia alguns meninos brincando e um papagaio com linha estendido no chão. O Snoopy veio ao meu encontro e foi atingido pela linha, correndo em direção a porta de casa. Quando fui ver o que aconteceu, notei que a escada estava cheia de sangue”, afirma.

Ela conta que animal sofreu um corte severo na pata. “Levamos ele ao veterinário. Ele disse que o corte chegou quase no osso e que se fosse um pouco mais forte, teria perdido a patinha. O cão ficou mais de 2 horas desacordado para limpeza e sutura. Depois disso, ainda teve que tomar antibióticos para evitar infecção”.
Além do trauma e dos transtornos, Jeiele teve que arcar com as despesas do veterinário em mais de R$ 100. “Nós pensamos em denunciar, mas acabamos deixando passar por serem crianças. No prédio também moram crianças e idosos e fico pensando se tivesse acontecido com eles. Depois desse episódio com meu cachorro, passei a ter mais cuidado”, finaliza.