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#NãoSomosTodosCaminhoneiros

Sim, eu adoro “desafinar o coro dos contentes”. E se você faz parte daqueles 87% de brasileiros que, segundo o Datafolha, aprovaram essa baderna que os grandes donos de transportadoras promoveram no país nos últimos dias, você é tão ou mais analfabeto político do que o motorista de caminhão que foi usado como massa de manobra.

Para começo de conversa, é bom chamar as coisas pelos seus devidos nomes. O que tivemos no Brasil foi um locaute que chantageou e ameaçou o conjunto da população com restrições e desabastecimentos de combustíveis, gêneros hospitalares e alimentícios, por exemplo.

“Greve dos caminhoneiros” foi só um nome romântico para definir um crime cometido pelas grandes empresas de transporte e apoiado por setores mais ou menos articulados dos caminhoneiros autônomos que, de acordo com a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), hoje não passam de 40% dos motoristas. Esse movimento tentou colocar o “direito à manifestação” na categoria de dogma, matando o direito de ir e vir, provocando um colapso econômico e social e causando perdas irreparáveis ao Brasil. Os números estão aí, estampando os jornais dos últimos dias.

Democracia pressupõe a prevalência de certos valores. Categoria profissional nenhuma tem o direito de impor sua pauta particular contra a coletividade, ainda mais na base da chantagem, da imposição do medo e do cinismo mais deslavado. O que tivemos no Brasil foi prática de terrorismo contra a população. Ponto.

Gostaria de saber, no entanto, se esses 87% que aprovaram a “greve”, também apoiavam as pautas simultâneas que vimos nos últimos dias da chantagem: o “fora Temer”, o “Lula livre” e a “intervenção militar já!”. Mais: gostaria de saber, também, se estão satisfeitos agora que vão pagar do próprio bolso para que as grandes transportadoras paguem menos pelo diesel que moverá suas atividades privadas.

Intervenção militar. Essa história me dá uma preguiça danada, porque além de ignorância jurídica e histórica, é crime previsto na Lei de Segurança Nacional e a Constituição não prevê essa hipótese. Mas, supondo que existisse, como se daria isso? Os militares chegariam, prenderiam a todos e diriam: “Oh, quem manda aqui agora é a gente!”? Poupem-me. O que fariam com a Economia? O que fariam com a opinião pública? O que fariam com as manifestações contrárias? É pra prender e arrebentar? Acho que quem defende “intervenção militar”, já deveria começar a se comportar como se estivesse em uma: não emitindo opinião.

Comparar o momento atual com 1964 é coisa de gente desonesta intelectualmente. Naquela época o golpe começou a ser planejado dois anos antes, com apoio de todos os grandes industriários, de toda a mídia, de toda a Igreja Católica, de mais da metade dos governadores dos estados, dos Estados Unidos – preocupados com o crescimento das correntes comunistas na América Latina –, e de toda a opinião pública.

Hoje quem apoia? Os eleitores do Bolsonaro? Ninguém analisa esses dados: só vejo gente falando contra e a favor. Ninguém quer entender como a coisa se dá pelo caminho da lógica e da estratégia, ainda que fosse legalmente possível. Portanto, quem defende “intervenção militar”, hoje, além de criminoso, é: 1) analfabeto funcional; 2) louco; 3) palhaço. Quando não as três coisas juntas.