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Receita contra revezes

Hollywood produziu em 1996 um filme – que não é lá essas coisas, diga-se de passagem – mas cujo título em português exprime com perfeição as relações entre os poderes Executivo e Legislativo em torno da reforma da Previdência Social: “O inimigo mora ao lado”. O fato é que poucas vezes houve tanta insatisfação entre os parlamentares, e a cada dia mais explícita, diante das reformas, especialmente a da Previdência Social.

A constatação óbvia é de que os argumentos econômicos que a justificam (sólidos, diga-se de passagem) não são suficientes para sensibilizar nem os trabalhadores nem os parlamentares. Aqueles, vendo distanciar-se a aposentadoria e avizinhar-se a perda de direitos que consideravam adquiridos; estes, por perceberem a perigosa vinculação de seus nomes a uma medida impopular, com reflexos diretos nas eleições de 2018. Na verdade, o grande problema do governo, hoje, é que hoje pouca gente além do mundo corporativo e do próprio Poder Executivo considera que a reforma é, sim, essencial e urgente. E convencer tanta gente disto não é tarefa fácil.

Há inclusive contestações quanto à real necessidade de se implementar mudanças tão duras. Para a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) a reforma previdenciária, nos termos propostos, é desnecessária. Segundo a entidade, o INSS é na verdade superavitário. O problema está na Desvinculação das Receitas da União (DRU), instrumento criado em 1994 por meio de Emenda Constitucional e sucessivamente prorrogado, que permite ao Executivo usar livremente 20 por cento de tudo o que é arrecadado com tributos federais. Este dispositivo, afirma a Anfip, tem desviado recursos que deveriam ficar no sistema de seguridade social que, só no ano passado, teria obtido um superávit de cerca de R$ 25 bilhões.

Estas ponderações, que vêm repercutindo principalmente na web, não têm sido contestadas com a necessária veemência pelo Governo Federal. Lembro-me de ter visto muito pouca coisa a esse respeito, como uma nota com a qual a Secretaria de Previdência Social reafirmou a emergência das medidas de ajuste do sistema e estimou o déficit deste ano, caso elas não sejam aprovadas, em R$ 181 bilhões. Além disso, segundo a Secretaria, “o Brasil envelhece rápido. A população idosa vai saltar dos atuais 22 milhões de pessoas com 60 anos ou mais para cerca de 73,5 milhões em 2060.” Este, na verdade, é um argumento inquestionável que não tem sido muito utilizado pela comunicação governamental em favor da reforma.

Previdência à parte, é de se notar que as perspectivas de avanços da economia que se faziam notar no início deste ano vêm perdendo força desde o mês passado. Embora o Banco Central mantenha a expectativa do crescimento de 0,5% do PIB em 2017 (o que, convenhamos, não é lá essas coisas), as projeções baseadas nos resultados do primeiro trimestre vêm declinando: o crescimento, apenas estimado, é de 0,3%, mesmo assim puxado pelo agronegócio, cujo PIB no período ficou próximo de 8%. Não fosse isto, teríamos um índice bem mais negativo. O governo continua gastando mais do que arrecada: segundo estimativas do mercado, o déficit fiscal já chega aos R$ 151 bilhões, superando em quase 9% a meta de R$ 139 bilhões. O déficit nas contas públicas previsto para 2018, de R$ 79 bilhões, ficará na verdade em mais de R$ 129 bilhões, como admitiu há poucos dias a própria equipe econômica.

Embora as boas notícias – inflação em queda e bons resultados na balança comercial – não compensem as más, convém, antes de nos deixarmos levar pelo pessimismo, lembrar que, um ano atrás, as coisas estavam bem piores. Então – aí sim – não haviam sequer perspectivas. Esta é a melhor receita contra os revezes de hoje.