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“Presença das minorias em espaços de poder é um desafio para a democracia”

“20 de novembro é um marco para celebração da resistência
do povo negro no Brasil”, afirma a cientista social
(Foto: Lucas Ávila)

Entretanto, mesmo com datas que propõem uma reflexão sobre os caminhos que a sociedade tem percorrido, as ações palpáveis que regem os direitos humanos são poucas. Por isso, o Edição do Brasil conversou com uma mulher feminista e negra, que na contramão do “preconceito” foi eleita pela maioria: a cientista social e vereadora com o maior número de votos na capital, Áurea Carolina.

As minorias fazem parte de uma fatia da sociedade que estima por mudanças e apoio. Por que vivemos em uma sociedade que ainda é regida por essa diferença social? 

O machismo, o racismo, a homofobia, a transfobia e as diferentes formas de violência afetam a nossa realidade. As mulheres, as pessoas negras, LGBTs e jovens, juntos, formam a maioria da população e, isoladamente, mulheres e pessoas negras já são a maioria no Brasil. No entanto, esses grupos não encontram representatividade nos espaços de poder e são transformados em minorias políticas. Essas desigualdades têm origem em problemas históricos e isso persiste porque há uma dominação de grupos privilegiados, que são notadamente homens brancos com poder econômico e político que controlam as instituições. Com isso, a presença dessas minorias subalternizadas é ainda um desafio para a democracia.

Quais são as alternativas para a desconstrução desse paradigma?

Para enfrentar esses problemas e desconstruir esses privilégios é preciso promover ações afirmativas e educativas, medidas que possam ir à origem das desigualdades. Por exemplo, discutir gênero e sexualidade nas escolas para a desconstrução do patriarcado da cultura do estupro e violência machista. É preciso incluir serviços adequados para o atendimento de mulheres em situação de violência, englobar no ensino a história da cultura afro-brasileira e africana, pois esse é o caminho para o enfrentamento ao racismo. As ações afirmativas e as cotas raciais também são significativas para a promoção da igualdade. É um conjunto de medidas que devem ser desenvolvidas para incidir sobre esses fenômenos específicos que na realidade se combinam, pois todas as formas de violência interagem o tempo todo, por isso, é tão difícil superar esse quadro.

O que representa para a Áurea, quanto mulher negra, o dia 20 de novembro? 

O dia 20 de novembro é uma data emblemática da luta antirracista no Brasil. É um marco para celebração da resistência do povo negro e também uma data de denúncia das violações que persistem aos direitos dessa população e, além disso, é meu aniversário, então é muito especial para mim em todos os sentidos.

Por muitas vezes, os direitos humanos foram colocados de lado, principalmente quando se trata de preconceito. A seu ver, como os movimentos sociais são importantes para mudar essa perspectiva? 

A discussão sobre os direitos humanos é fundamental porque trata de dignidade, possibilidades de convivência e respeito na sociedade. São medidas legais que a nossa Constituição e as diversas leis preveem para que todas as pessoas tenham sua integridade assegurada, com suporte e proteção do Estado e da sociedade para não sofrer nenhum tipo de violência. Os movimentos sociais são importantes para pautar os direitos humanos, além de proporcionar o aprofundamento de conhecimento e a reflexão pública sobre o tema. As políticas públicas devem trazer, também, medidas para a efetivação desses direitos.  No atual momento, essa é uma agenda que está muito prejudicada, portanto, mais uma vez, é um enorme desafio avançar nesse campo.

 

Como começou o seu engajamento em relação às diferentes causas que você apoia, como a inclusão das mulheres, da juventude e da população negra?

Minha trajetória começou no início dos anos 2000, por meio da cultura hip-hop, eu fui cantora de rap e, na época, eu era estudante. Comecei a circular em espaços culturais e ter acesso a esse universo que eu desconhecia. E por essa vivência, cheguei aos movimentos negros, feministas e de juventude. Depois fui para a universidade cursar Ciências Sociais e aprofundei a minha relação com essas lutas. Isso faz parte da minha trajetória profissional. Também atuei em vários projetos e tive experiências de promoção dos direitos sociais, sobretudo, de pessoas jovens. No ano passado, eu me engajei na construção do movimento “Muitas pela cidade que queremos”, que articula ativistas, cidadãs e coletivos dispostos a mudar a forma de fazer política. E foi assim que eu construí a minha candidatura junto com várias outras candidatas que têm esse mesmo compromisso.

Você acredita que o fato de você ter sido a vereadora mais bem votada seja um sinal de que essas minorias querem ser representadas e almejam modificações no cenário belo-horizontino?

A minha eleição, sem dúvida, é uma demonstração da força desse campo das lutas, que são pautadas por mulheres e pessoas negras, segmentos que são minoritários nos espaços de poder, mas que são maioria no campo social. E também por esperança e crença na importância da representatividade, sendo mulher e negra que tem uma caminhada em movimentos sociais, trago essa marca da inclusão e da justiça democrática na possibilidade de acessar espaços institucionais. Por outro lado, há um avanço do conservadorismo, de forças que são contrárias à inclusão desses grupos sociais, como foi demonstrado nessas eleições, pois a maioria das pessoas eleitas não tem compromisso com essas pautas. Agora, vamos lidar com um cenário bem desfavorável: têm avanços, mas também tem retrocesso e ameaças aos direitos desses grupos.

Quais são suas expectativas para o dia 1º de janeiro, lembrando que na Câmara você também será minoria, já que temos apenas três representantes femininas?

Quero construir um mandato popular e aberto, com espaços para que a cidade consiga opinar e estabelecer propostas comigo e com a Cida Falabella. Pretendemos fazer um mandato de excelência, pautado na competência técnica e política, para extrapolar as fronteiras da Câmara, de mobilização social, educação popular e envolvimento real com as comunidades, porque essa é uma questão de politização do cotidiano: o trabalho Legislativo em si é muito importante, mas não é suficiente. Nós vamos enfrentar muitas resistências, então teremos que ter muito jogo de cintura, diálogo e disposição para lidar com esses setores que ocupam a Câmara atualmente.

Você é um exemplo de que é possível mudar a visão da sociedade e passa a ser uma inspiração para os mais jovens. Quais foram e/ou ainda são os seus ídolos?

Eu tenho admiração por muitas pessoas que são próximas a mim, embora não sejam famosas, elas são fontes de aprendizado. Várias delas são aliadas aos movimentos e pessoas com as quais eu já trabalhei. Mas renomadas, posso citar Lélia Gonzalez, ativista negra que viveu no Brasil no século 20, Nelson Mandela, Cidinha da Silva, a presidente Dilma e também as pessoas da cultura hip-hop, como a Karol Conka.