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Ginecologia lidera ranking de erros médicos no Brasil

A última pesquisa divulgada pela Fundação Perseu Abramo apontou que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. As mais comuns são gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia e até negligência. Os casos a seguir fazem parte dessa triste estatística. O Edição do Brasil conversou com algumas mulheres sobre o assunto mas, por respeito às vítimas, seus nomes foram preservados.

Depois de ter seu segundo filho, a professora K.S.A, 35 anos, solicitou que fosse realizada uma laqueadura, uma operação que impede que a mulher engravide novamente. “O médico me anestesiou duas vezes: uma para a cesariana e outra para a suposta cirurgia. Passados 7 meses do procedimento, fiquei grávida. Sem saber o que poderia ter acontecido procurei outros profissionais e eles me disseram que a ligadura das trompas provavelmente não tinha sido realizada. Tenho um laudo onde consta que a cirurgia de laqueadura não foi feita e pretendo processá-lo”, garante.

A dona de casa M.S.S., 42 anos, é outra vítima e sentiu na pele o quanto um parto pode ser dolorido e traumático. “Os médicos aplicaram a anestesia peridural e ficaram induzindo o parto por 12h. Eles diziam que devido ao tamanho da dorsal do bebê seria necessária a utilização de fórceps.  E, depois disso, escutei: ‘o coraçãozinho dela está parando’. A médica então decidiu fazer uma cesárea e cortou a minha barriga, porém o efeito da anestesia já tinha passado. A sensação foi como se o fogo me queimasse. Eu gritei muito, eles me anestesiaram de novo e acabei desmaiando. Quando acordei minha filha estava entubada, pois tinha aspirado líquido e sofrido uma parada respiratória. Só a vi 24h após o parto. Os médicos disseram que ela ficaria com sequelas mas, com o acompanhamento de um neurologista por um ano, não ficou com nenhuma”, relata.

No topo
A ginecologia e a obstetrícia é a especialidade com o maior número de punições por erros no país, atingindo 40% das reclamações, conforme levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Entre 2010 e 2014, o órgão ratificou penalidade a 160 profissionais e esse número pode ser ainda maior se considerados os dados dos conselhos regionais. Apenas na Corregedoria do Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais (CRMMG), no período entre outubro de 2013 e dezembro de 2015, foram 297 processos ético-profissionais instaurados, 233 julgados e 273 em trâmite. Nos três primeiros meses deste ano foram instaurados 44 processos ético-profissionais, sendo 17 julgados e 302 ainda tramitam na Justiça.

Em nota, a Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), informa que “busca capacitar os médicos associados constantemente por meio de eventos e cursos para promover a atualização científica, visando a melhoria constante de atendimento às pacientes. Além disso, promove ações para sensibilizar os médicos sobre a importância da adoção de ações preventivas, como a aplicação de Termos de Consentimento Esclarecido antes de procedimentos rotineiros e a manutenção de uma boa relação entre médicos e pacientes, pautada pela ética e pelo esclarecimento de dúvidas”.

Mais denúncias, menos erros
O diretor de Defesa e Valorização Profissional da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Juvenal Borriello de Andrade, explica que quando apurada, a culpa pode ser por três motivos: imperícia, imprudência ou negligência. Ele conta que essa especialidade lidera o ranking devido às fichas relacionadas aos partos que não são vinculadas a algum tipo de procedimento, ou seja, as queixas são infundadas. “A quantidade de processos é grande, entretanto, às vezes, o que se apura é que não houve responsabilidade médica. Isso é prejudicial, pois, até os profissionais mais antigos estão deixando a área. Há uma preocupação grande que logo exista desassistência devido ao índice de casos na Justiça, denúncias etc”.

A advogada especialista em direito médico, Luciana Dadalto, corrobora com essa afirmação ao dizer que o índice de denúncias tem aumentado no Brasil mas, em decorrência de um processo, tanto nos conselhos de medicina quanto na Justiça, o médico só é condenado quando fica realmente comprovado o erro. “Há uma elevação nas reclamações, porém um número pequeno de profissionais, efetivamente, punidos porque o erro é evidenciado em poucos casos”.

Luciana acredita que esse quadro está relacionado com a judicialização do país. “As explicações mais plausíveis são o acesso à informação, que é um ponto positivo, e a cultura de se judicializar o problema, que é um ponto negativo, porque tudo que resolvo conversando, recorro à Justiça”. Ela ainda acrescenta: “Existe um problema sério relacionado à perícia. Normalmente, os peritos não são especialistas na área. Por exemplo, tenho um suposto erro médico praticado por um ortopedista, porém quem faz a investigação é um clínico geral”.

A especialista lembra que não existe uma legislação específica sobre erro médico no Brasil e que os processos podem ser lentos. “O ideal é procurar um advogado, contar o ocorrido e ter uma cópia do prontuário para que ele estude e judicialize a ação, além disso, é importante ter testemunhas. Se for comprovado a prática de algum crime, o médico pode até ser preso e sofrer ainda diversas sanções”, conclui.

Falta diálogo
Luciana diz que o avanço na quantidade de processos é basicamente o fim da relação médico-paciente. “Não existe mais um vínculo entre essas duas partes, inclusive há estudos que revelaram que 95% das pessoas não processaria o profissional caso houvesse um pedido de desculpas”.

Entre 2000 e 2012, o número de processos por erros médicos aumentou 1.600% nos tribunais brasileiros, já são 600 mil casos em tramitação. As outras especialidades com mais punições são: clínica médica, com 91 penalidades no período analisado, cirurgia plástica, com 63 profissionais punidos, pediatria (60) e cirurgia geral (41).